Fé e Teologia

  1. A fé como pressuposto objetivo da Teologia;
  2.  A fides qua como pressuposto subjetivo da Teologia;
  3.  O Ato de fé;
  4.  O Mistério Cristão e os dogmas da Igreja;
  5.  O valor das formulas dogmáticas:
  6.  A interpretação dos dogmas;
  7. O desenvolvimento dogmático;
  1.  A fé como pressuposto objetivo da Teologia:

Os dados revelados (os artigos da fé ou o fides quae) constituem o fundamento e a matéria prima da Teologia. O teólogo deve ser antes de tudo um crente, que aceita o Credo da Igreja segundo o sentido exato das proposições dogmáticas.

Os artigos da fé não são inventados pelos teólogos, mas lhe são transmitidos pela comunidade eclesial, que é guiada por Deus. A Teologia parte da fé e ela mesma é um ato de fé.

“À Teologia pertence o crer e à teologia pertence o pensar. A ausência de um ou do outro provocaria a dissolução da atividade teológica. Isto significa que a teologia pressupõe um novo inicio no pensar que não e produto de nossa reflexão, mas que nasce do encontra com a Palavra que nos precede[1].”

A Teologia chama ao dado revelado objetivo presente na Sagrada Escritura e na Tradição Eclesial como a expressão “depósito da fé”. O Magistério atua como um depositário, que mantém vivo o testemunho dos apóstolos e garante a sua integridade. A palavra apostólica segue, portanto, viva. Este depósito da fé possui a capacidade de se proteger contra corrupções e de se atualizar em novas situações culturais.

  1.  A fides qua como pressuposto subjetivo da Teologia:

A fé pela qual cremos é no teólogo cristão a raiz de sua Teologia. A Teologia nasce como efeito de uma fé que assume o discurso ou o proceder da razão. A razão que é instrumento da Teologia não é carismática nem racionalista, mas uma razão guiada pela fé. Entendemos aqui que a fé é a atitude interior e a conduta livre, sobrenatural e razoável dos homens e mulheres que aceitaram a revelação de Deus e tentam viver a vontade divina. A fé, portanto, é entendida com a resposta da criatura humana a Deus que se revela e a chama.

Crer é um ato pessoal, quer dizer, algo que ocorre entre dois seres pessoais. Deus se auto-comunica, se deixa encontrar e o crente responde à sua chamada. Antes de crer em algo, o fiel cristão crê em alguém.

O Concílio Vaticano II ensina que “quando Deus se revela deve-se prestar-lhe a obediência da fé (Rom. 16,26), pela qual o homem se confia livre e totalmente a Deus (se totum libere Deo committit), prestando do Deus revelador a homenagem do entendimento e da vontade, e assentindo voluntariamente à revelação feita por ele.[2]”

Se olharmos o Novo Testamento veremos:

  • a) Nos Evangelhos Sinóticos: a fé é a resposto ao chamado de Jesus, é um ato interior de confiança plena na pessoa e na autoridade de Jesus, entendido como enviado de Deus e centro do Reino que chega com ele.
  • b) São Paulo: destaca o fato de que pela fé em Deus se aceita uma mensagem de vida sob Jesus Cristo, morto e ressuscitado por nós (Cfr. Rom. 4, 25);
  • c) São João: a fé é um impulso interior que leva a reconhecer livremente o caráter divino de Jesus. Não tem uma causa externa porque é graça direta de Deus.
  1.  O Ato de fé:

A fé subjetiva contém as seguintes características: a) É um ato de assentimento;  b) é livre e incondicionado; c) É razoável; d) É um dom sobrenatural; e) Leva consigo um modo de viver;

  • a) É um ato de assentimento: o crente aceita verdades e mistérios que não são evidentes para a razão. “Pela fé cremos ser verdadeiro o que nos foi revelado por Deus e o cremos não pela intrínseca verdade das coisas, percebida pela luz natural da razão, mas pela autoridade do mesmo Deus que se revela que não pode se enganar, nem nos enganar.[3]” O aspecto intelectual da fé significa que a fé é conhecimento certo, não simples opinião, e que não se esgota na confiança em Deus. O crente aceita e incorpora à sua visão da realidade, verdades concretas de modo que a sua fé possui um conteúdo preciso e certo.
  • b) É livre e condicionado: “pela fé o homem se confia livre e totalmente a Deus” (D.V. 5). A fé é uma opção da vontade que se inclina para Deus e decide se entregar a Ele. Os sinais contidos na Revelação, não impelem o homem a aceita-la necessariamente. O homem permanece livre para responder a esses sinais.
  • c) É razoável: a fé supera a razão, como a graça supera à natureza, mas não a destrói nem a ignora. “Quero falar da doutrina de Cristo Salvador, a fim de que alguns não considerem o seu ensinamento demasiado rude e possam suspeitar que haja uma fé carente de razão” (Santo Atanásio). Nesse sentido também Pascal afirmava: “Se submetemos tudo à razão, nossa religião nada terá de misterioso nem de sobrenatural. Se são desprezados o princípios da razão, nossa religião será absurda e ridícula.” Os crentes tem sempre razões para crer, ainda que a fé procede sempre de uma moção da graça.
  • d) É um dom gratuito e sobrenatural: os homens não somos capazes de alcançar nenhum conhecimento salvífico sem a graça de Deus (Cfr. Concilio II de Orange, D. 373-378). A fé é um ato humano livre, mais só é possível mediante uma graça aceita pela pessoa.
  • e) A fé é o principio e a base do modo de viver segundo o Evangelho (Cfr. Rom. 6, 3-4). A fé é para vida, deve se fazer operativa e deve se realizar na vida do crente.
  1.  O Mistério Cristão e os dogmas da Igreja:

A religião crista é uma religião dogmática, quer dizer, os mistérios revelados são expressos pela Igreja em formulas de fé que traduzem as verdades divinas a linguagem humana. Os dogmas são a identidade doutrinal do cristianismo. São declarações precisas sobre a realidade sobrenatural e a confissões vivas de fé verdadeira.

Os primeiros autores cristãos aplicaram a palavra dogma aos ensinamentos e preceitos de Jesus. Orígenes fala expressamente dos dogmas de Deus como diferentes das opiniões humanas. O dogma cristão se apresenta basicamente como pronunciamento eclesial sobre a verdade religiosa. Os dogmas são princípios fundamentais que orientam o comportamento humano. O dogma não pode ser entendido como uma opinião, ou ponto de vista. É sempre formulado com rigor e precisão, que supõe veneração ao mistério que contem e também respeito e consideração ao intelecto e à sensibilidade do homem que o aceita. O dogma expressa sempre a consciência doutrinal da igreja, encerra sempre um componente eclesial e tradicional, que não pode ser eliminado.

  1.  O valor das fórmulas dogmáticas:

As fórmulas dogmáticas mantêm sempre o mesmo sentido que tinham no tempo que foram definidas pela igreja. O Concílio Vaticano I reconheceu o desenvolvimento dogmático, mas declarou que o dogma possui seu sentido próprio de uma vez para sempre e censuram aqueles que se separam desse sentido, sob o pretexto de um conhecimento superior, do progresso da ciência ou de uma interpretação mais profunda da formulação dogmática. O caráter irreversível e irreformável do dogma se encontra implícito na infalibilidade da igreja guiada pelo Espírito Santo. O Espírito faz que a igreja participe da veracidade de Deus. Paulo VI insistiu na Encíclica Mysterium Fidei (1965) na necessidade de se reter as expressões precisas dos dogmas fixados pela tradição da igreja.

O dogma nos proporciona o conhecimento certo da verdade revelada. É um conhecimento certo e imperfeito por causa dos limites da nossa inteligência, da debilidade da linguagem humana e das circunstancias históricas da formulação, que às vezes não nos permitem captar e entender bem todos os aspectos de verdade que se encontram nela. “As formulas dogmáticas devem ser consideradas como respostas a problemas precisos e é nesta perspectiva que permanecem sempre verdadeiras.[4]”

  1.  A interpretação dos dogmas:

Os dogmas necessitam interpretação para que a verdade neles contida se faça mais clara e explicita à Igreja e a todos os crentes. A interpretação dos dogmas deve responder aos seguintes princípios:

  • a) Integração de todos os dogmas na totalidade da doutrina e na vida da Igreja (D.V. 8);
  • b) Integração de cada dogma no conjunto de todos os demais, já que os dogmas não são compreendidos senão a partir dos seus nexos intrínsecos e da hierarquia de verdades (U. R. 11);
  • c) Compreensão analógica, que permite superar interpretações errôneas;
  • d) Eliminação das concepções puramente simbólicas ;
  • e) Idéia da interpretação como um processo que não é meramente intelectual, que deve ser entendido como um esforço espiritual dirigido pelo Espírito da Verdade.
  1.  O desenvolvimento dogmático:

Os dogmas não mudam, mas se desenvolvem. A verdade pode se desenvolver e receber uma nova formulação. Nesse caso, a doutrina não se corrompeu nem perdeu sua pureza evangélica. O que ocorre, é que o implícito na doutrina se torna mais explicito. Quando, por exemplo, a Igreja definiu os dogmas da Conceição Imaculada de Maria (1854), e de sua Assunção ao céu (1950), não inventou novas verdades marianas, mas declarou explicitamente aspectos que estavam contidos desde sempre no mistério de Maria. O desenvolvimento do dogma é sintoma da vida da Igreja.

O teólogo Cardeal John Newman em 1845 escreveu uma obra decisiva para explicar o desenvolvimento dogmático da Igreja, o Ensaio Sobre o Desenvolvimento da Doutrina Cristã. Nesta obra Newman propõe sete critérios que ajudam a distinguir um desenvolvimento genuíno de um falso:

  • a) “Preservação do tipo”: conservação da formula fundamental das proporções e da relação entre as partes e o todo.
  • b) “Continuidade de princípios”: cada uma das diferentes doutrinas representa princípios que vivem num nível mais profundo.
  • c) “Poder de assimilação”: uma idéia viva demonstra sua força por sua capacidade de penetrar a realidade, de assimilar outras idéias, de estimular o pensamento, e desenvolver-se sem perder sua unidade interior.
  • d) “Coerência lógica”: as conclusões dogmáticas devem ser sempre congruentes com os dados iniciais da Revelação;
  • e) “Antecipação do futuro”: tendências que só mais tarde chegarão a sua plenitude são signos do acordo do desenvolvimento posterior com a idéia original;
  • f) “Influência protetora sobre o passado”: um verdadeiro desenvolvimento confirma os desenvolvimentos e formulações precedentes, enquanto que uma corrupção é negadora do passado;
  • g) “Vigor durável”: a corrupção conduz à desintegração; o que esse corrompe não pode durar de modo que a força vital é um critério do desenvolvimento fiel e genuíno;

 

 


 

[1] J RATZINGER, Natura e compito della teología, Millano, 1993, p.54.

[2] Constituição Dogmática Dei Verbum, n. 5.  

[3] Concílio Vaticano I, Constituição Dogmática sobre a Fé Católica, c. 3.

[4] Comissão Teológica Internacional, Unidade da fé e pluralismo teológico, tese 10.

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