Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – II Domingo do Advento (Ano A)

“Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo”

Mt 3,1-12

Caros irmãos e irmãs,

Neste tempo de Advento, enquanto nos preparamos para celebrar o nascimento de Jesus Cristo, somos chamados a redescobrir e aprofundar a nossa relação pessoal com Deus. A palavra latina “adventus”, refere-se à vinda de Cristo e põe, em primeiro plano, o movimento de Deus rumo à humanidade, ao qual, cada um está chamado a responder com a expectativa, a busca e a adesão a Ele que vem até nós.

Nos acompanham nesta nossa caminhada para o Natal, para o jubiloso encontro com Jesus, grandes personagens.  O primeiro deles é a Virgem Maria, depois o profeta Isaías, que nos relata as distâncias dos tempos bíblicos, descrevendo com clareza as perspectivas para a vinda do Messias.  E, de modo particular, São João Batista, o último dos profetas e o primeiro dos evangelistas. João Batista é, a cada ano, uma grande figura deste tempo do Advento.  Ele preparou o povo, junto às margens do rio Jordão, para receber o Cristo, no início de sua vida pública.

E vem agora a nos ajudar a receber o Cristo no Natal, conforme nos relata o Evangelho deste segundo domingo do Advento (cf. Mt 3,1-12), que nos traz a figura de São João Batista, o qual, segundo uma profecia do Profeta Isaías (cf. Is 40,3), se retirou no deserto da Judeia e, com a sua pregação, convidou o povo a converter-se, para estar preparado para a iminente vinda do Messias.  O texto evangélico escrito pelo evangelista São Mateus, nos narra: “Naqueles dias, apareceu João Batista, pregando no deserto da Judéia: ‘Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo’” (Mt 3, 1-2).

Enquanto continuamos o nosso caminho do Advento, nos preparamos para celebrar o nascimento de Cristo, volta a ressoar em nossos ouvidos este chamado de João Batista à conversão. É um convite urgente a abrir o coração e a acolher o Filho de Deus que vem entre nós para manifestar o juízo divino.

A figura de São João Batista é uma figura questionante e interpelativa. Ele aparece ligado ao deserto o lugar das privações, do despojamento, mas também o lugar tradicional do encontro entre Deus e o seu povo. Suas vestes eram de peles de camelo e usava um cinturão de couro em torno dos rins; comia gafanhotos e mel do campo (cf. Mc 1,6), sinais que o caracterizam como um homem simples, humilde e desapegado dos bens materiais.

Os quatro Evangelhos dão grande realce à figura de João Batista, como profeta que conclui o Antigo Testamento e inaugura o Novo, indicando em Jesus de Nazaré o Messias, o Ungido do Senhor. Com efeito, será o próprio Jesus quem falará de João nestes termos: “Em verdade vos digo, dentre os nascidos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Batista; e, no entanto, o mais pequeno no reino dos Céus é maior do que ele” (Mt 11, 10-11).

O evangelista São Mateus resume o anúncio de São João Batista numa frase: “Convertei-vos, porque está perto o Reino dos céus” (v. 2). Esta “conversão” é urgente, porque o “Reino dos céus” está próximo. E o próprio nome ‘João’, em hebraico significa “Deus é favorável”. Deus é favorável ao homem: quer a sua vida, a sua salvação. Deus é favorável ao seu povo: quer fazer dele uma bênção para todas as nações da terra.

No texto evangélico aparece também, em relevo, um rito praticado por João Batista. Consistia na imersão nas águas do rio Jordão as pessoas que aderiam a esse apelo à conversão. Era, aliás, um rito praticado em certos ambientes judaicos para significar a purificação do coração. Nos ambientes essênios, os banhos quotidianos expressavam o esforço em direção a uma vida pura e a aspiração à graça purificadora.  O batismo administrado por São João Batista, por sua vez, significava o arrependimento e o perdão dos pecados.

No entanto, João Batista avisa: “Aquele que vem depois de mim… batizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo” (v. 11). De fato, o batismo de Jesus vai muito além do batismo de João Batista, pois confere a quem o recebe uma nova vida, tornando-o “filho de Deus”, o que implica, além disso, uma incorporação na Igreja e uma participação ativa na sua missão (cf. At 2,1-4). Não significa apenas o arrependimento e o perdão dos pecados; significa um quadro de vida completamente novo, uma relação de filiação com Deus e de fraternidade com Jesus e com todos os outros batizados.

Quando um dia veio de Nazaré o próprio Jesus para se fazer batizar, João inicialmente recusou-se, mas depois consentiu, e viu o Espírito Santo pairar sobre Jesus e ouviu a voz do Pai celeste que o proclamava seu Filho (cf. Mt 3,13-17). Mas a sua missão ainda não estava completada: pouco tempo mais tarde, foi-lhe pedido que precedesse Jesus também na morte violenta: João foi decapitado na prisão do rei Herodes, e assim deu pleno testemunho do Cordeiro de Deus, que ele foi o primeiro a reconhecer e a indicar publicamente.

Mas a questão dominante que o Evangelho de hoje nos apresenta visa ressaltar que não é possível acolher “aquele que vem” se o nosso coração estiver ausente de Deus, no erro, no pecado, consolidado na preocupação com os bens materiais. É preciso, portanto, uma real conversão, uma mudança da nossa mentalidade, dos nossos valores, dos nossos comportamentos, das nossas atitudes, das nossas palavras; é preciso um despojamento de tudo o que rouba espaço ao “Senhor que vem”.

E hoje, refletindo sobre São João Batista, possamos ter consciência de que ele também nos indica o caminho que devemos seguir. Ele é o caminho que nos conduz a Cristo, pela palavra, pelo exemplo, pelo desejo sincero de levar todos a fugir do pecado e obter a salvação.

Através do Evangelho, João Batista continua falando a todas as gerações. Suas palavras duras e claras são particularmente saudáveis para nós, homens e mulheres do nosso tempo, em que inclusive a forma de viver e de perceber o Natal experimenta, infelizmente e com frequência, uma mentalidade materialista. A “voz’ do grande profeta nos pede que preparemos o caminho para o Senhor que vem, nos desertos de hoje, desertos exteriores e interiores, sedentos da água viva que é Cristo.

São João Batista é, antes de mais nada, modelo de fé. Para melhor ouvir a Palavra de Deus, ele deixa tudo e retira-se para o deserto, de onde fará ressoar o convite a aplanar os caminhos do Senhor (cf. Mt 3,3ss). Neste Tempo do Advento, também nós somos chamados a ouvir a voz de Deus, que ressoa no deserto do mundo através da Sagrada Escritura. De fato, quanto mais a fé se deixa iluminar pela Palavra divina, tanto mais se fortalece a nossa esperança (cf. Rm 15,4).

Também nesta época do Advento, em muitos ambientes, segundo uma consolidada tradição, começam a preparar o Presépio, como que para reviver, juntamente com Maria, aqueles dias repletos de trepidação, que precederam o nascimento de Jesus. Montar um Presépio em casa pode revelar um modo simples, mas eficaz, de apresentar os valores da fé às novas gerações. O Presépio nos leva a contemplar o mistério do amor de Deus, que se revelou na pobreza e na simplicidade da gruta de Belém. Com efeito, ele também nos leva a compreender o segredo do verdadeiro Natal, porque fala da humildade do desapego e da bondade misericordiosa de Cristo que, “embora fosse rico, se tornou pobre por nós (cf. 2Cor 8,9).

Que o Senhor venha em nosso auxílio e nos leve a uma verdadeira conversão do coração, para que possamos tomar as decisões necessárias, sintonizando nossas mentalidades em conformidade com o Evangelho. A Virgem Maria é também o caminho que o próprio Deus preparou para vir ao mundo. Confiemos a ela, o amparo neste itinerário espiritual, para que possamos acolher com fé e com o coração renovado a vinda do Salvador. Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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