Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – II Domingo do Advento – Ano C

Caros irmãos e irmãs,

Neste segundo domingo do advento, a Liturgia da Palavra nos faz um apelo à conversão, à renovação, no sentido de eliminar todos os obstáculos que impedem a chegada do Senhor ao nosso mundo e ao coração dos homens. Esta missão é uma exigência que é feita a todos os batizados, chamados a dar testemunho da salvação que Jesus Cristo veio trazer. 

Lançando inicialmente um olhar para a primeira leitura, retirada do livro do Profeta Baruc, seu conteúdo sugere que o “caminho” de conversão é um verdadeiro êxodo da terra da escravidão para a terra da felicidade e da liberdade. Durante o percurso, somos convidados a despir-nos de todas as cadeias que nos impedem de acolher a proposta de uma vida nova que Deus nos faz. Somos convidados a viver este tempo numa serena alegria, confiantes no Senhor que não desiste de nos apresentar uma proposta de salvação, apesar dos nossos erros e dificuldades. 

A reflexão sobre este texto pode ser feita lembrando que o advento é um tempo favorável, que nos possibilita sair da terra da escravidão para a terra da liberdade. Neste tempo somos especialmente confrontados com as cadeias que ainda nos prendem e somos convidados a percorrer um novo caminho de regresso à cidade nova da alegria e da paz.  Uma das frases da Primeira Leitura nos diz:  “Vê os teus filhos… estão cheios de alegria porque Deus se lembrou deles” (Br 5,5).  E é exatamente nesta atmosfera de alegria e de confiança serena na ação salvadora do nosso Deus que somos convidados a viver este tempo de mudança e a preparar a vinda do Senhor. 

O Evangelho apresenta o profeta João Batista, a nos convidar a uma transformação total quanto à forma de pensar e de agir, quanto aos valores e às prioridades da vida. Para que Jesus possa caminhar ao encontro da humanidade é necessário que os corações estejam livres e disponíveis para acolher a Boa Nova do Reino. É esta missão profética que Deus continua, hoje, a confiar-nos.

Antes de começar a descrever a ação salvadora de Jesus no meio dos homens, São Lucas vai apresentar João Batista, o profeta que veio preparar a chegada do Messias de Deus. O evangelista começa por situar o quadro de João Batista num determinado enquadramento histórico. Nomeia 7 personagens, desde o imperador Tibério César, até ao sumo sacerdote Caifás, num esforço de situar no tempo os acontecimentos da salvação. É uma história concreta, com acontecimentos concretos, que podem ser ligados a um determinado momento histórico vivido.  A figura de João Batista aparece como “uma voz que grita no deserto” a exortar-nos a preparar os caminhos do coração para que o Cristo Jesus possa ir ao encontro de cada homem.

E o evangelista São Lucas situa num espaço geográfico a atividade profética de João: ele prega em “toda a região do rio Jordão”. Trata-se de uma região bastante povoada, sobretudo depois das construções de Herodes e de Arquelau. O anúncio profético de João destina-se aos homens, que são convidados a acolher o Messias que está para fazer a sua aparição no mundo. Finalmente, concretiza-se o âmbito da missão: João “proclama um batismo de conversão, para a remissão dos pecados”. Para acolher o Messias que está para chegar, é necessário um processo de conversão que leve a um rever a vida, as prioridades, os valores; pois somente nos corações verdadeiramente transformados, o Messias encontrará lugar. 

Provavelmente o batismo administrado por João era o batismo de imersão na água, um rito comum na cultura judaica. Significava a morte a um passado que ficava simbolicamente sepultado na água. Utilizava-se no âmbito civil para indicar, por exemplo, a emancipação do escravo; e, no religioso, para a conversão do recém-convertido, indicando o início de uma nova vida, ou seja, a mudança de vida: o passado de injustiça e de erros fica sepultado.

Devemos distinguir entre a figura externa e a mensagem de João. Ele se apresentava vestido como um dos antigos profetas, especialmente Isaías (cf. 2Rs 1, 8). Vestia uma túnica de pele e a amarrava com um cinto.  Esta forma de vestir foi copiada pelos outros profetas. A vestimenta externa de João era um tecido de pelos de camelo, o mesmo com o qual se teciam as lonas das tendas dos nômades do deserto. Servia de proteção contra os raios solares e, como capa, o protegia da chuva. Além dessa veste extremamente rústica, havia na vida de João um outro detalhe que chamava a atenção das multidões, sua comida: gafanhotos e mel silvestre. Tudo indicava a austeridade de João e sua independência dos homens, de modo a depender unicamente de Deus. 

Enquanto prosseguimos o caminho do Advento, enquanto nos preparamos para celebrar o Natal de Cristo, ressoa também em nós esta chamada de João Batista à conversão: “Arrependei-vos, dizia, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3,1-2). É um convite urgente a abrir o coração e a acolher o Filho de Deus que vem entre nós.  O Pai, escreve o evangelista João, não julga ninguém, mas confiou ao Filho o poder de julgar, porque é Filho do homem (cf. Jo 5, 22.27). E é hoje, no presente, que se decide o nosso destino futuro; é com o comportamento concreto que temos nesta vida que decidimos o nosso destino eterno. No findar dos nossos dias na terra, no momento da morte, seremos avaliados com base na nossa semelhança ou não com o Menino que está para nascer na pobre gruta de Belém, porque é Ele o critério de medida que Deus deu à humanidade. O Pai celeste que no nascimento do seu Filho Unigênito nos manifestou o seu amor misericordioso, nos chama a seguir os seus passos fazendo da nossa existência um dom de amor. 

Mediante o Evangelho, João Batista continua a falar através dos séculos, a cada geração. As suas palavras claras e duras ressoam também para os homens e as mulheres do nosso tempo. A “voz” do grande profeta pede que preparemos o caminho ao Senhor que vem, nos desertos de hoje, desertos exteriores e interiores, sequiosos da água viva que é Cristo.

João Batista, portanto, tem um grande papel a desempenhar, mas sempre em função de Cristo. Quanto a nós, hoje temos a tarefa de ouvir aquela voz para conceder a Jesus, Palavra que nos salva, espaço e acolhimento no coração. Neste Tempo de Advento, preparemo-nos para ver, com os olhos da fé, na Gruta humilde de Belém, a salvação de Deus (cf. Lc 3,6).

Escutemos o convite de Jesus no Evangelho e nos preparemos para reviver com fé o mistério do nascimento do Redentor, que encheu o universo de alegria; preparemo-nos para acolher o Senhor no seu incessante vir ao nosso encontro nos acontecimentos da vida, na alegria ou no sofrimento, na saúde ou na doença; preparemo-nos para encontrá-lo na sua vinda última e definitiva.

Continuemos o nosso caminho ao encontro do Senhor que vem, permanecendo prontos para o receber no coração e na vida inteira, o Emanuel, o Deus que vem habitar conosco. Confortados pela sua palavra, invoquemos a proteção materna de Maria, Virgem da esperança, que ela nos guie a uma verdadeira conversão interior, para que possamos sintonizar os nossos pensamentos e ações com a mensagem do Evangelho, e assim possamos preparar dignamente a vinda do Senhor que está para chegar.  Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ

Facebook
Twitter
LinkedIn

Biblioteca Presbíteros