Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – III Domingo da Quaresma – Ano C

Caros irmãos e irmãs,

A liturgia deste terceiro domingo de Quaresma traz novamente à nossa reflexão o tema da conversão e nos convida a reconhecer o mistério de Deus, que se torna presente na nossa vida, como ressalta na primeira leitura tirada do Livro do Êxodo e nos mostra Moisés, que, enquanto apascentava o rebanho, vê uma sarça em chamas, mas que não se consome. Aproxima-se para observar este prodígio, quando uma voz pronuncia o seu nome e o convida a tomar consciência da sua indignidade. Esta mesma voz lhe ordena a tirar as sandálias, porque o lugar é santo.  E Deus revela a Moisés o seu próprio nome, ao dizer: “Eu sou aquele que sou!” (Ex 3,14), para que ele o comunique ao povo de Israel. Há algum tempo atraz esta expressão “Eu sou aquele que sou!” foi entendida em sentido filosófico: eu sou aquele que existe, isto é, o Ser absoluto, o único que existe por si mesmo.  Atualmente os estudiosos da Sagrada Escritura descobriram algo que muda esse significado: o verbo “ser”, que deve ser entendido aqui no sentido de “estar presente”, ou seja, “eu existo para ti”.  Deus é aquele que existe para a humanidade e para que todos possam sentir a sua presença a sua proximidade.  É o anúncio do que Deus tornará um dia: o Emanuel, isto é, o Deus conosco.

No encontro com Moisés Deus também se revela como “o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó” (Ex 3,15). Ele é o Deus dos nossos pais, mas é também um Deus pessoal.  É alguém que mantém relacionamentos de pessoa para pessoa, de geração a geração e continua na história a manter este mesmo relacionamento. É ele presente também no meio de nós, sensível aos gritos de quem sofre.

E agora, voltando o nosso olhar para a página do Evangelho prescrita para este domingo, encontramos dois acontecimentos históricos: um crime cometido por Pilatos e o desabamento de uma torre ao lado da piscina de Siloé. Dois fatos trágicos bem diversos: um provocado pelo homem e o outro acidental. Segundo a mentalidade da época, pensava-se que uma desgraça com vítimas era sinal de uma culpa pessoal grave. Mas Jesus diz: “E aqueles dezoito que morreram, quando a torre de Siloé caiu sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que todos os outros moradores de Jerusalém? Eu vos digo que não” (v. 4). E para ambos os casos conclui: “Mas, se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo” (v. 5). Com estas exortações, Jesus faz aos seus ouvintes um apelo à conversão. Essas pessoas não Foram punidas por causa dos seus pecados: foram vítimas de uma fatalidade. Mas este acontecimento pode ser interpretado como um apelo à conversão, que consiste na mudança no nosso modo de agir e de pensar. 

Na segunda parte do Evangelho, referindo-se a um costume do seu tempo, Jesus apresenta a parábola de uma figueira plantada numa vinha. Esta figueira, contudo, é estéril, não dá frutos (v. 6-9). O diálogo que se desenvolve entre o dono e o vinhateiro, manifesta, por um lado, a misericórdia de Deus, que é paciente e deixa ao homem, ou seja, a todos nós, um tempo para a conversão; e, por outro, a necessidade de iniciar imediatamente a mudança de vida, para não perder as ocasiões que a misericórdia de Deus nos oferece para superar a nossa preguiça espiritual e corresponder ao amor de Deus com o nosso amor filial.

O Senhor Jesus, mais uma vez, toma por base a figura de uma árvore. Numa linguagem simples define o destino dos que, plantados por Deus para darem frutos, não os produziram. A narrativa serviu de lição para o povo de Israel e hoje, serve de lição para cada um de nós que compomos o grupo dos discípulos do Senhor. Ele nos escolheu, a fim de produzirmos frutos para o engrandecimento do seu reino.

A Sagrada Escritura com frequência faz referência à figueira, que duas vezes ao ano, na primavera e no outono, produz saborosos frutos.  Em tempos remotos ela simbolizava a prosperidade e a paz (cf. 1Rs 4,25; Is 36,16).  No deserto os israelitas sonhavam com uma terra rica em nascentes de água, trigais e figueiras (cf. Dt 8,8).  No nosso texto, encontramos uma figueira no meio da vinha (v. 6). A vinha é uma plantação de videiras, cultivadas para produzir uvas. No Antigo Testamento, quando Deus se referia ao estado desejado para o povo de Israel, prometia que cada um se assentaria debaixo de suas videiras e figueiras, em alusão a paz, segurança e prosperidade (1Rs 4,25; Mq 4,4; Zc 3,10).

A parábola nos diz que um homem tinha uma figueira em sua vinha, algo muito comum em Israel.  Ela ocupava uma certa área do terreno que podia ter sido usada para as videiras. Cada ano a árvore permanecia estéril, o que significava prejuízo para o seu proprietário. Ela absorvia umidade e nutrientes que serviam para as videiras. A figueira era como uma dívida, que aumentava na medida em que se passavam os anos. Por causa da sua localização, deduzimos que a árvore tinha sido muito bem cuidada. Outra árvore ou videira poderia ter sido plantada ali e, dentro de alguns anos, produziria frutos.

O proprietário deu instruções ao homem que cuidava da vinha para que cortasse a figueira. Mas ele pediu ao dono que tivesse ainda um pouco mais de paciência. Queria dar mais um ano à árvore, durante o qual cavaria o solo ao seu redor e a adubaria.  O Antigo Testamento tinha utilizado a figueira como símbolo de Israel (cf. Os 9,10), por isto uma figueira tinha um papel importante na vida de um israelita, representava prosperidade e abastança e era muito comum para cada israelita ter pelo menos uma figueira em sua casa.

Na parábola, o proprietário é geralmente considerado como o representante de Deus e o agricultor, o próprio Cristo Jesus, o enviado à casa de Israel, a fim de cuidar da figueira especial “no meio da vinha” (Mt 15,24). O Evangelho de São João, referindo-se a Jesus, nos diz: “Ele veio para o que era seu, mas os seus não o receberam” (Jo 1,11); e frisa o tempo que Jesus oferece aos seus ouvintes como uma última chance para o arrependimento. O período de tempo limitado mencionado faz uma referência à urgência da nossa conversão.

O homem deve frutificar no tempo, isto é, durante a vida terrena. Todavia este seu agir no tempo, não pode fazer-lhe esquecer da sua outra dimensão essencial: a de um ser orientado para a eternidade: portanto, o homem deve, simultaneamente, frutificar também para a eternidade, pois sem esta perspectiva, ele continuará a ser uma figueira estéril.

O dono da vinha tinha uma predileção especial pela figueira, estabelecida no meio da sua plantação de videiras. Isso significa a escolha de Israel, no meio das outras nações. Espiritualmente falando, para Deus, o centro da Terra é Jerusalém, é Israel. Deus esperava que ela frutificasse, mas se decepcionou: “Foi procurar nela fruto, não o achando, disse ao vinhateiro; Eis que há três anos venho procurar fruto nesta figueira, e não o acho” (vv. 6.7). Este período, segundo intérpretes da Bíblia, refere-se aos três anos do ministério terreno de Jesus, durante o qual, Ele, o Messias, como bom vinhateiro, fez tudo o que pôde, a fim de que a nação escolhida desse bons frutos para Deus.

Diante da frustração, em face da não produção dos frutos esperados, o dono da vinha ordenou ao vinhateiro que cortasse a figueira estéril. Mas Jesus procedeu com muito cuidado e zelo.  Tamanha é a sua misericórdia, mostrando-se tolerante com a fraqueza humana.  Neste ponto, temos grandes lições espirituais a observar. Ele escolheu Israel como seu representante entre os povos, daí a localização da figueira: no meio da vinha. Em contrapartida, esperou que desse fruto, mas ocorreu o contrário. Os judeus rejeitaram o seu plano. Assim, se desejamos fazer parte da vinha do Senhor, precisamos dar frutos, para não sermos cortados.

O ensinamento da parábola é claro: daquele que ouviu a mensagem do Evangelho, Deus espera frutos saborosos e abundantes. E o tempo da quaresma é um tempo de graça, como um novo tempo precioso que é concedido para que a figueira, que representa cada um de nós, produza frutos.  Deus hoje nos convida a fazer uma mudança em nossa própria existência, para que possamos viver segundo o Evangelho, corrigindo algo no nosso agir, porque ele quer o nosso bem, a nossa felicidade e a nossa salvação. Possamos responder com um sincero esforço interior 

Peçamos a intercessão da Virgem Maria, para que ela possa nos acompanhar e nos amparar ao longo desse itinerário quaresmal, e para que ela interceda sempre por nós e nos ajude a redescobrir a grandeza de uma autêntica conversão. Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ

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