Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – Quinta-feira Santa

Ceia do Senhor

Jo 13,1-15

 

Caros irmãos e irmãs,

A Semana Santa é um momento forte de reflexão, uma parada na vida do cristão e oferece uma oportunidade de confronto com Cristo, nos coloca em contato com os últimos momentos de Sua vida, que revelam o amor incompreensível de um Deus e abre o panorama esplêndido de Sua Ressurreição.

No texto evangélico prescrito para esta cerimônia Jesus oferece aos apóstolos e, em particular a Pedro, uma grande lição que deverá estar presente em toda a vida e missão sobrenatural deles e de toda a Igreja.  O Evangelista São João inicia seu relato sobre como Jesus lavou os pés de seus discípulos com estas palavras: “Era antes da festa da Páscoa. Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai; tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1).  Nesta frase encontramos a chave para respondermos a todas as perguntas sobre os motivos da paixão de Cristo e de maneira ainda mais profunda sobre a vinda de Cristo ao mundo e a sua encarnação: Ele amou os homens até o fim.  

Jesus transforma a Cruz, o ato da execução, em um ato de doação, de amor até o fim. Com esta expressão, “até o fim”, o Evangelista João faz uma referência à última palavra de Jesus sobre a Cruz: “Tudo está consumado” (Jo 19,30). Com isto, Jesus nos apresenta, em uma atitude de ação, o mandamento do amor: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15,13).

Este processo essencial da hora de Jesus é representado na cena do lava-pés em uma espécie de profético ato simbólico. Nele, Jesus evidencia com um gesto concreto: Lava os pés dos discípulos e os tornam capazes de participar do convívio divino ao qual Ele os convida. O texto nos diz que Jesus “levantou-se da mesa, tirou as vestes e tomando uma toalha, cingiu-se com ela… colocou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos…” (Jo 13,3-5).

No livro do Levítico, o lava-pés era considerado como trabalho de escravo, trabalho que nenhum servo judeu devia fazer ao seu patrão (cf. Lv 25,39), como impunha a tradição judia.  Isto nos faz compreender a força que Jesus quis dar à sua ação e ao seu ensinamento. O Evangelho nesta perícope apresenta, com isto, um evidente ensinamento de humildade e de serviço: “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,13-15)

Com estas palavras Jesus convida seus apóstolos e todos os seus seguidores a comportar-se como servos que fazem os serviços mais humildes.  Este sentimento não é somente uma atitude exterior, mas deve ser uma convicção profunda, fruto de um real conhecimento de si mesmo. A humildade é uma virtude fundamental para o homem.  O valor da humildade é também muito significativo a São Bento que, no capítulo 7 da sua Regra, apresenta doze graus de humildade. Isto significa o grande valor que ele deu à prática da humildade para a perfeição da vida cristã.

E Jesus é o exemplo de perfeita humildade.  São Paulo já nos escreve que o Filho de Deus “se reduziu a nada, assumindo a condição de servo e fazendo-se solidário com os homens” (Fl 2,3).  Jesus, em muitas de suas pregações procurou exaltar o valor da humildade: “Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado” (Mt 23,12).  E convida os seus discípulos a imitá-lo por ser ele “manso e humilde de coração” (Mt 11,29). E São Paulo ainda testemunha sobre a humildade de Cristo, ao dizer: “E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fl 2,8). 

No Evangelho do lava-pés, temos ainda o colóquio de Jesus com Pedro, que inicia com a recusa de Pedro em deixar-se lavar pelo Senhor, pois estaria contradizendo a sua reverência para com Jesus. No seu entender, o Mestre não pode assumir um serviço de escravo: “Tu nunca me lavarás os pés!”, disse Pedro a Jesus.  Para Pedro, o conceito de Messias comportava em uma imagem de majestade, de grandeza divina. E não na humildade do serviço.

Mas quando Jesus diz a Pedro que sem a limpeza dos pés ele não poderia ter alguma parte com Ele, rapidamente Pedro pede que lhe sejam lavadas também a cabeça e as mãos. A isto segue a palavra misteriosa de Jesus: “Quem já se banhou não precisa lavar senão os pés, porque já está todo limpo. Também vós estais limpos, mas não todos” (Jo 13,10). Jesus alude a um banho que os discípulos, segundo as prescrições rituais, já tinham feito; mas, para a participação na convivência, era necessária agora somente a lavagem dos pés.

Temos necessidade do “lava-pés”, da lavagem dos pecados de cada dia, e por isso, temos necessidade da confissão dos pecados.  Devemos reconhecer que também pecamos. Quantas vezes somos frágeis em nossas relações com os irmãos e quantas vezes deixamos que o rancor para com o outro vá se tornando um envenenamento para a nossa alma.  Por isso, devemos continuamente purificar-nos de nossas faltas, perdoando-nos mutuamente de coração, lavando os pés uns dos outros. Temos necessidade da confissão, para obtermos a reconciliação com Deus e fazermos parte da sua família e assim, puros, sentar à mesa com Ele. 

Nesta quinta-feira, também recordamos a Instituição da Eucaristia e São Paulo, na segunda leitura, tirada da primeira carta aos Coríntios, nos lembra: “na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: ‘Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória’” (1Cor 11,23-24). Do mesmo modo, depois da ceia, tomou também o cálice e disse: “Este cálice é a nova aliança, em meu sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei isto em minha memória”. Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte do Senhor, até que ele venha (cf. 1Cor 11,25-26). São palavras com as quais se transmite para sempre a memória da instituição da Eucaristia. Se os cristãos celebram a Eucaristia desde as origens e sob uma forma que, na sua substância não mudou através da grande diversidade dos tempos e das liturgias, é porque sabem que estão ligados por esta ordem do Senhor (cf. CIgC 1357).

O Apóstolo São Paulo nos exorta a fazer constante memória deste mistério. Ao mesmo tempo, nos convida a viver cada dia a nossa missão de testemunhas e anunciadores do amor de Jesus Cristo, à espera do seu retorno glorioso. Com a instituição da Eucaristia, Jesus comunica aos Apóstolos a participação ministerial no seu sacerdócio, por isto, é Ele o ministro da Eucaristia. Os Apóstolos tornaram-se, por sua vez, ministros deste excelso mistério da fé, destinado a perpetuar-se até ao fim do mundo. Tornaram-se contemporaneamente servidores de todos aqueles que vierem a participar em tão grande dom e mistério. 

Na Eucaristia Jesus comunica o seu amor por nós: um amor tão grandioso que nos nutre e nos faz regenerar as próprias forças. Que saibamos reconhecer sempre o Cristo presente na Eucaristia, e que possa ser esta Eucaristia, o centro da nossa vida. Assim seja. 

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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