Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – V Domingo do Tempo Comum (Ano A)

Sal da terra e luz do mundo

Mt 5,13-16

 

Caros irmãos e irmãs

Relemos neste domingo umas das mais belas imagens com que Jesus comparou seus discípulos, na maioria pescadores que deixaram tudo para segui-lo. A eles disse: “Vós sois o sal da terra… Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,13.14). Inicialmente, Jesus chama seus discípulos de sal da terra porque o sal serve para preservar muitos alimentos da corrupção. Essa é a missão dos discípulos. Eles devem salvar os homens da corrupção moral.  O sal serve ainda para dar gosto e sabor, e a missão dos discípulos de Jesus é semelhante: devem eles preservar e salvar os homens da corrupção do pecado por meio do exemplo e da palavra.

Jesus adverte que se o sal se corromper, para nada mais serve, por isto é lançado fora e pisado pelos homens (v. 13).  Na Palestina, as pessoas pobres frequentemente recolhiam sal nas margens do mar morto. Este sal, como vinha cheio de impurezas, facilmente se deteriorava, por isto, era jogado fora e pisado pelos homens.  Os orientais, naqueles tempos, tinham o costume de jogar nas estradas todo e qualquer lixo. Vale lembrar que naquele tempo a população era menor e não adotava os costumes de higiene que temos hoje, como a coleta de lixo. O sal corrompido se tornava lixo e era então pisado e desprezado por todos.

E Jesus compara os seus discípulos ao sal, pois cabia aos discípulos transmitir à comunidade o sabor dos ensinamentos do Divino Mestre. O sal é feito para dar gosto, para dar sabor aos alimentos.  É o sal que tempera os alimentos. “Temperar” quer dizer dar gosto justo; nem sal demais, nem sal de menos. Ele vem a significar, então, que o discípulo de Cristo deve representar na comunidade o equilíbrio, o bom senso, a prudência própria do homem sábio, o homem da harmonia, da tranquilidade e da paz.

O sal é a primeira das imagens à qual Jesus apela para definir a identidade de seus discípulos.  Elemento familiar a qualquer cultura, desde sempre foi empregado para dar sabor à comida. Inclusive, até a aparição do frio industrial, geladeira ou frigorífico, era praticamente o único meio para preservar os alimentos que se corrompem facilmente, especialmente a carne. Mas, além disso, na cultura bíblica e judaica, o sal significava também a sabedoria, por esta razão, nas línguas latinas os vocábulos sabor, saber e sabedoria pertencem à mesma raiz semântica e família linguística.  Neste sentido, o sal acaba sendo um simbolismo feliz, de grande riqueza expressiva, para sinalizar a missão do seguidor de Jesus no meio da sociedade.

O sal é ainda um protagonista muito especial no âmbito culinário.  Sua presença discreta na comida não é detectada; mas sua ausência não pode ser dissimulada. O sal dissolve-se completamente nos alimentos e se perde em agradável sabor. Essa é sua condição: passar despercebido, mas atuar eficazmente. Como símbolo religioso o sal significa que o cristão deve temperar o mundo, com o seu exemplo e testemunho. Por isto, o uso do sal, no ritual do batismo, representa o sabor com o qual cada cristão deve temperar o mundo. Devido a estas características do sal, a lei judaica prescrevia colocar um pouco de sal em cima da oferenda apresentada a Deus, em sinal de aliança: “Salgarás toda a oblação que ofereceres, e não deixarás de pôr na tua oblação sal da aliança de teu Deus; a toda a oferenda juntarás uma oferenda de sal a teu Deus” (Lv 2,13). 

O simbolismo da luz, por sua vez, tem um longo e fecundo itinerário bíblico: desde a primeira página do Livro do Gênesis, que descreve a criação da luz por Deus, passando depois para a coluna de fogo que guiava o povo israelita em seu êxodo do Egito, e continuando pela luz dos tempos messiânicos anunciada pelos profetas, especialmente pelo profeta Isaías, para chegar à plena luz da revelação de Cristo Jesus.  Ele afirmou de si mesmo: “Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue não anda em trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). 

E Jesus disse também: “Vós sois a luz do mundo” (v. 14).  Naturalmente, um reflexo da grande luz da verdade e da santidade, que é o próprio Cristo.  Acende-se se uma luz para que ilumine. Ninguém acende uma lâmpada para escondê-la debaixo de uma vasilha, mas para colocá-la em lugar alto, a fim de que brilhe para todos os que estão na casa.  Ninguém deve fazer o bem com a finalidade de ser visto, seria vaidade. Mas, por outro lado, sua vida deve ser tão digna e tão pura, que possa servir de luz para o caminho dos outros.

Jesus compara seus discípulos à luz, por isto, devem eles iluminar o mundo com a doutrina que receberam de Jesus. Iluminar com a vida exemplar e santa e devem ter em mira a glória de Deus e a salvação das almas, luz para iluminar o caminho, para que todos caminhem em busca da verdadeira fé. A verdade e a doutrina da salvação devem ser propagadas por toda parte. Jesus diz que ninguém acende uma luz para escondê-la. A fé cristã é uma luz, a única luz e deve estar acima de tudo para iluminar.

Destas considerações nasce uma lição: o testemunho que devemos dar de nossa vida e o serviço que podemos prestar aos outros. E neste serviço Jesus concretiza a nossa identidade: luz e sal da terra. Bela maneira de expressar a nossa tarefa, a tarefa de cada cristão: ser sal da terra, ser luz do mundo, sal humilde, que atua por dentro, que não se nota, mas que é indispensável, a tal ponto que se perder o seu sabor não serviria mais para nada.

Somos chamados a ser aquele que ilumina. E aquele que crê em Jesus se converte em luz para si mesmo e para os outros. A palavra do Senhor era para o povo Israelita “a lâmpada para os seus passos e luz em seu caminho” (Sl 118,105). Também o novo Povo de Deus, a comunidade dos fiéis que seguem a Cristo, tem a missão de ser luz do mundo. A fé em Cristo é a luz do cristão. Jesus se serve de um dos elementos simbólicos mais significativos da vida humana. A luz é símbolo de vida, de alegria e felicidade.  Está indissoluvelmente ligada à vida, a ponto de se identificar com ela. A luz se torna símbolo do próprio Deus, da vida divina. Deus não é só Criador da luz (cf. Gn 1,3-5), Ele se manifesta como luz que exprime sua glória, que salva e dá a vida ao homem (cf. Is 10,17; 60,19). Neste sentido, ressalta o apóstolo Paulo: “Deus é luz e nele não há trevas” (1Cor 1,5).

No Antigo Testamento, o Servo do Senhor é anunciado como “luz das nações” (Is 51,4).  A luz de Deus, a sua vida, apareceu visivelmente em Jesus (cf. Jo 1,4.9). Ele é a luz do mundo (cf. Jo 3,19) que ilumina todo homem. Como o sol ilumina a estrada, assim o Cristo ilumina o caminho da humanidade para Deus, fonte de vida e de alegria. Em forma exortativa, o evangelho dá uma indicação sobre testemunho do cristão: “Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus” (Mt 5,16). O agir do cristão deve ser um espelho do agir de Deus, um reflexo de sua glória que não atrai a atenção para si, mas para Deus. Os cristãos recebem, portanto, uma missão em relação a todos os homens: com a fé e com a caridade podem orientar, consagrar, tornar fecunda a humanidade.

Todos nós somos também discípulos do Senhor e somos chamados, através da nossa vida cristã, a dar sabor aos mais diversos ambientes, para preservá-los da corrupção, como faz o sal. Mas se perdermos sabor e cancelarmos a nossa presença de sal e luz, perderemos a eficiência.  Peçamos uma vez mais a intercessão da Virgem Maria, ela que também é chamada pelo povo cristão de Nossa Senhora da Luz, para que possamos ser, em todos os instantes, sal e luz para todos. Assim seja. 

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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