Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XXIII Domingo do Tempo Comum (Ano A)

Onde dois ou três estiverem reunidos…

Mt 18,15-20

 

Caros irmãos e irmãs

Cada domingo nos recorda o ritmo semanal do tempo, o dia da ressurreição de Cristo.  Ao domingo, portanto, aplica-se a exclamação do Salmista: “Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria” (Sl 118, 24). O domingo é um dia que está no âmago da vida cristã e é, ao mesmo tempo, o primeiro dia da semana, memorial do primeiro dia da criação.  A Ceia do Senhor é o seu centro, pois nela toda a comunidade dos fiéis se encontra com o Cristo ressuscitado:  O domingo é o dia por excelência da assembléia litúrgica, em que os fiéis se reúnem para ouvir a Palavra de Deus e participar do Banquete Eucarístico. 

A página do Evangelho deste domingo começa nos recordando que somos frágeis e, por isto, precisamos da misericórdia do Senhor a todo instante.  Sempre devemos ter consciência das nossas falhas, dos erros, dos pecados.  Por isso, no início de cada Missa somos sempre convidados a reconhecer diante do Senhor que somos pecadores, expressando com palavras e com gestos o arrependimento sincero.  O sacerdote suplica a Deus: “Tende compaixão de nós Senhor”, ao que todos respondem: “Porque somos pecadores”.  Todos nós somos pecadores e necessitados do perdão do Senhor. É o Espírito Santo que nos leva a reconhecer as nossas culpas, à luz da palavra de Jesus e a todos Deus concede a sua misericórdia. 

A convivência humana pode ser atingida por contrastes, conflitos, devido ao fato de que somos diferentes por temperamento, pontos de vista e gostos. O texto evangélico também sintetiza: “Se o teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo, mas em particular, a sós, contigo” (v. 15).  Podemos frisar a expressão “a sós, contigo”.  Isto quer mostrar o respeito que devemos ter para com o outro, para com o bom nome do irmão, o zelo pela sua dignidade.  O “falar a sós” indica a possibilidade da pessoa poder fazer a sua defesa e explicar as suas ações.   O objetivo é ganhar o irmão. Uma franca explicação pode esclarecer algo que não ficou bem entendido. Nem sempre isto é possível quando o problema é levado ao conhecimento de todos. 

Esta correção deverá ser feita sempre com amor, com discernimento, com caridade fraterna. São Bento, na sua Regra, dá uma recomendação singular, ao prescrever: “Socorrer na tribulação” (RB 4,18). Mas, a expressão latina usada por São Bento é “in tribulationem subvenire”. A palavra “subvenire” pode ser traduzida por “vir por baixo, vir de baixo”. Ou seja, socorrer sim, corrigir sim, mas com a humildade de quem vem por baixo para sustentar, amparar e ajudar, para salvar. Corrigir, sim, mas como Deus, que em Jesus, veio por baixo, na humildade de um presépio e na humilhação da cruz.

O ensinamento de Cristo sobre a correção fraterna deverá ser lido à luz de um outro preceito que Ele mesmo nos deixa: “Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão e não reparas na trave que está no teu olho? Ou como podes dizer a teu irmão: ‘Deixa-me, irmão, tirar de teu olho o argueiro, quando tu não vês a trave no teu olho?’ Tira primeiro a trave do teu olho e depois enxergarás para tirar o argueiro do olho de teu irmão” (Lc 6,41-42).  Neste contexto, é importante lembrar que é sempre válida a recomendação de São Paulo, como nos diz a primeira leitura: “Com ninguém tenhais outra dívida que a do mútuo amor… A caridade não faz mal ao próximo” (Rm 13,8-10).

O texto Evangélico deste domingo traz ainda uma frase bastante significativa e que deve ser sublinhada: “Se dois de vós estiverem de acordo na terra sobre qualquer coisa que quiserem pedir, isso lhes será concedido por meu Pai que está nos céus. Pois, onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí, no meio deles” (v.19-20). Com estas palavras Jesus ressalta o valor da oração. Deus é pai misericordioso, que ouve a prece dos seus filhos. Quando rezamos, conquistamos o coração de Deus, ao qual nada é impossível. 

Os primeiros discípulos pediram a Jesus: “Senhor, ensina-nos a rezar” (Lc 11,1). Como de fato, é preciso aprender a rezar, devemos sentir a necessidade de pertencer à escola de Jesus para aprender a rezar autenticamente. E podemos receber a primeira lição pelo exemplo do próprio Senhor. Os Evangelhos, por várias vezes, descrevem Jesus em diálogo íntimo e constante com o Pai.

Na oração, em cada época da história, o homem considera-se a si mesmo e a sua situação diante de Deus, a partir de Deus e em vista de Deus, e experimenta que é criatura carente de ajuda, incapaz de alcançar sozinho o cumprimento da própria existência e da própria esperança (cf. BENTO XVI, Audiência Geral, 11 de maio de 2011).  A oração deve ser a abertura e elevação do coração a Deus, torna-se assim relação pessoal com Ele.  Segundo o Catecismo da Igreja Católica: “Na oração, é sempre o amor do Deus fiel a dar o primeiro passo; o passo do homem é sempre uma resposta. Na medida que Deus se revela e revela o homem a si mesmo, a oração surge como um apelo recíproco…” (n. 2567).

E a Sagrada Escritura deixa para nós inúmeros exemplos de homens e mulheres que se tornaram exemplos de oração. A própria leitura da Sagrada Escritura deve ser também um momento de oração, sobretudo, através dos salmos.  Neles encontramos um formulário de orações. O Livro dos Salmos nos apresenta uma coletânea de cento e cinquenta Salmos, que podem ser apresentados como a nossa oração, o nosso modo de nos dirigirmos a Deus e de nos relacionarmos com Ele.  A Igreja nos exorta a uma leitura contínua da Palavra de Deus, como alimento salutar para o espírito, capaz de nutrir o conhecimento de Deus e o diálogo com Ele.

Na oração desenrola-se um diálogo com Jesus que faz de nós seus amigos íntimos: “Permanecei em mim e eu permanecerei em vós” (Jo 15,4). Esta reciprocidade constitui precisamente a substância, a alma da vida cristã, e é condição para estarmos sempre unidos ao Senhor. Quem reza não perde a coragem, nem sequer face às dificuldades mais graves, porque sente que Deus está ao seu lado e encontra refúgio, serenidade e paz entre os seus braços paternos. Depois, ao abrirmos o nosso coração com confiança a Deus, teremos mais generosidade com o próximo, e passaremos a construir a história segundo o projeto divino.

Em geral conhecemos a oração com palavras, mas também a mente e o coração devem estar presentes na nossa oração. É o contato da nossa mente com o coração de Deus. E aqui a Virgem Maria é um modelo real. O evangelista São Lucas repete várias vezes que a Mãe de Deus “conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração” (Lc 2,19). Maria viveu plenamente a sua existência, os seus deveres quotidianos, a sua missão de Mãe, mas soube manter em si um espaço interior para meditar sobre a palavra e a vontade de Deus.

Peçamos uma vez mais a intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, para que o Senhor ilumine a nossa mente e o nosso coração, a fim de que nossa relação com Ele na oração seja cada vez mais intensa, afetuosa e constante.  Assim seja.

 

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ

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