Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – XXX Domingo do Tempo Comum – Ano C

A parábola do Fariseu e do Publicano no templo


Lc 18,9-14

Caros irmãos e irmãs,

Reunidos ao redor do altar para a celebração dominical, temos diante dos olhos mais um texto evangélico, o qual continua ressaltando a importância da oração, sequenciando os ensinamentos dos domingos anteriores nas parábolas do amigo inoportuno (cf. Lc 11,5-8) e da viúva e do juiz iníquo (cf. Lc 18,1-8).  O enfoque didático para este domingo é, porém, bem diverso. Naquelas parábolas Jesus quer mostrar a força e a eficácia da oração, enquanto que no texto deste domingo, somos advertidos sobre o modo que devemos rezar. 

Assim como o publicano e o fariseu, muitos deixaram suas casas e vieram “ao templo para rezar”; por isso, esta parábola narrada por Jesus, refere-se diretamente a nós. Trata-se da parábola do fariseu e do cobrador de impostos, também conhecido como publicano. O texto começa apresentando os dois protagonistas, que representam linhas diametralmente opostas da sociedade judaica do tempo de Jesus.  Os fariseus formavam um dos grupos de maior impacto na sociedade palestina. Eram os defensores intransigentes da Torá. No dia a dia, procuravam cumprir escrupulosamente a Lei e esforçavam-se por ensiná-la ao povo. 

O termo fariseu significa “separado”, ou seja, era um grupo separado dos impuros, portanto, pretendia fazer de Israel um povo santo, isto é, puro, na observância radical da Lei. Eles acreditavam na ressurreição e esperavam o Messias, que viria para restaurar o poder político e levar Israel ao cumprimento da Torá. O Messias chegaria no momento definido por Deus. Até que isso acontecesse, o povo devia se preparar.  O grupo era composto de doutores da Lei, escribas, sacerdotes, pequenos comerciantes e artesãos. O projeto messiânico dos fariseus era o de fortalecer a Torá oral e a tradição. 

Tratava-se de um grupo sério do judaismo, verdadeiramente empenhado na santificação do povo de Deus. No entanto, o seu fundamentalismo em relação à Torá será, várias vezes, criticado por Jesus, por afirmarem a superioridade da Lei, desprezando as pessoas e criando no povo um sentimento de culpa em virtude do pecado e de indignidade que oprimia as consciências. 

O outro personagem da parábola é um cobrador de impostos, que representava uma classe de funcionários subalternos encarregados de recolher os impostos devidos ao Império Romano.  Eram mal vistos pelo povo, por estarem a serviço de uma potência dominadora e, principalmente, por abusarem de suas atribuições em proveito próprio. Tinham fama de utilizar este ofício para enriquecer de modo injusto. Segundo as prescrições da época, estavam permanentemente atingidos pela impureza. Não podiam sequer fazer penitência, pois eram incapazes de conhecer todos aqueles a quem tinham defraudado e a quem deviam uma reparação.

Se um publicano, antes de aceitar esta função, fizesse parte de uma comunidade dos fariseus, era imediatamente expulso e não podia ser reabilitado, a não ser depois de abandonar esse trabalho. Quem exercia tal ofício, estava privado de certos direitos cívicos, políticos e religiosos; por exemplo, não podia ser juiz, nem prestar testemunho em tribunal, sendo equiparado ao escravo.  Por esta razão, um judeu observante evitava toda espécie de comunhão com um cobrador de impostos (cf. Mc 2,13-17), pois ele era considerado um pecador público. 

No fariseu e no publicano da parábola, Jesus põe em confronto dois tipos de atitude face a Deus.  O fariseu é o modelo de um homem irrepreensível perante a Lei, que cumpre todas as regras e leva uma vida íntegra. Ele está consciente de que ninguém o pode acusar de cometer ações injustas, nem contra Deus, nem contra os irmãos e, aparentemente, é verdade, pois a parábola não nos diz que ele estivesse mentindo. Evidentemente, está contente e tinha razões para isso, por não ser como o publicano que também está no Templo. Os fariseus tinham consciência da sua superioridade moral e religiosa, sobretudo em relação aos pecadores notórios. 

Por outro lado, o publicano é o modelo do pecador. Explora os pobres, pratica injustiças e não cumpre as obras da Lei. Ele tem, aliás, consciência da sua indignidade, pois a sua oração consiste apenas em pedir: “Meu Deus, tende compaixão de mim que sou pecador” (v.13).   A sua oração é breve, não é tão longa como aquela do fariseu. Uma significativa oração. Os gestos de arrependimento e as poucas e simples palavras testemunham a sua consciência acerca da sua condição. A sua oração é essencial. Age com humildade, seguro somente de ser um pecador necessitado de piedade. Se o fariseu não pedia nada, porque já tinha tudo, o publicano só pode implorar a misericórdia de Deus. O publicano mostra a todos nós a condição necessária para receber o perdão do Senhor: a humildade. 

O comentário final de Jesus sugere que o publicano se reconciliou com Deus. Ele se apoia apenas em Deus e não nos seus méritos, que parecem não existir.  Ele apresenta-se diante de Deus de mãos vazias e sem quaisquer pretensões e pede-lhe apenas compaixão. O publicano pela sua humildade conquistou a Deus, pois Ele exalta os humildes, conforme nos diz a Virgem Maria no canto do Magnificat (cf. Lc 1,46-55).  O desfecho da cena da parábola é que o publicano voltou para casa justificado por Deus, pois encontrou graça diante dele, e o fariseu, não. O sentido está claro nas palavras finais: “Este último voltou justificado para casa”. A oração humilde justifica, isto é, torna o homem agradável a Deus.  A soberba fecha as portas para a misericórdia divina. A oração, realizada com sinceridade, é caminho que conduz a Deus, que ouvirá a súplica do arrependido. A missão do povo de Deus é a de ser santo como Deus é santo. A santidade de Deus, na qual o judeu se inspira, passa pela vivência e pelo anúncio da sua justiça. 

Como nos recorda o Evangelho desse domingo, temos necessidade de humildade, para reconhecer os nossos limites, os nossos erros e omissões, para formar verdadeiramente a nossa identidade de cristãos. Sem humildade, não reconhecemos os nossos próprios defeitos. A oração supõe atitude de humildade diante de Deus e abertura da alma; assim como o publicano que tem consciência de suas faltas e confia no amor e na misericórdia de Deus.  Ele se dá conta de que o contato com o Deus santo exige uma conversão radical de sua má conduta. Seu itinerário espiritual está vazio. Ele não tem boas obras para apresentar ao Senhor. Jesus aprova a atitude do publicano porque na sua oração ele não julga ninguém, mas a si mesmo. Reconhece-se pecador e confia em Deus. Ele se arrepende e age com profunda humildade. 

Se a humildade é necessária em todos os atos de nossa vida, muito mais necessária se faz à nossa oração, já que implica no reconhecimento de nossa fraqueza.  Se recorremos a Jesus é porque nos consideramos necessitados. A oração do publicano deve ser o modelo de nossa oração: humilde, sincera, cheia de confiança. Entre as várias fórmulas de ato de contrição sugeridos no ritual do sacramento da penitência, está justamente essa oração do publicano: “Jesus, filho de Deus, tende piedade de mim, que sou pecador” (v.13). 

É esta humildade que a Virgem Maria exprime no cântico do Magnificat, quando lembra que Deus “Olhou para a humildade da sua serva” (Lc 1,48). Que ela, como nossa mãe, nos ajude a rezar com coração humilde e nos conceda este dom, para que a nossa oração possa atravessar as nuvens do céu, conforme lemos na primeira leitura (cf. Eclo 35,20), e possa subir até Deus e descer cheia de frutos.  Assim seja. 

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB 

Mosteiro de São Bento/RJ

Facebook
Twitter
LinkedIn

Biblioteca Presbíteros