Homilia de Mons. José Maria Pereira – XII Domingo do Tempo Comum – Ano A

Não temer os Homens!

Encontramos muitas pessoas com medo! Muitas vezes estamos cheios de medo. A criança tem medo do escuro e da pessoa que grita. O adolescente tem medo de si: medos inconscientes, mas dolorosos; medos que se chamam timidez, complexos de inferioridade, agressividade.

Muitos adultos vivem roídos de medo, da pior forma de medo – a angústia. Muitas vezes vivemos tremendo: medo do futuro, medo da morte, ou simplesmente do amanhã. Por medo, a pessoa se tranca dentro de seu pequeno mundo, cada vez mais se isola da sociedade. Por medo, levanta muros protetores cada vez mais altos, criam-se condomínios mais fechados e seguros… Medo da doença… do desemprego, etc.

No Evangelho (Mt 10, 26 -33), encontramos dois convites de Jesus: “Não temais os homens” e por outro “temei” a Deus. Assim, somos estimulados a refletir sobre a diferença que existe entre os receios humanos e o temor a Deus. O receio é uma dimensão natural da vida. Desde pequenos experimentamos formas de receio que se revelam depois imaginárias e desaparecem; sucessivamente outras emergem, que têm fundamentos concretos na realidade: elas devem ser enfrentadas e superadas com o compromisso humano e com a confiança em Deus.

Face ao amplo e diversificado panorama dos receios humanos, a Palavra de Deus é clara: quem “teme” a Deus “não tem medo”. O temor de Deus, que as Escrituras definem como “o princípio da verdadeira sabedoria”, coincide com a fé n’Ele, com o sagrado respeito pela sua Autoridade sobre a vida do mundo. Não “ter receio de Deus” equivale a colocar-se no seu lugar, a sentir-se dono do bem e do mal, da vida e da morte. Ao contrário, quem teme a Deus sente em si a segurança que tem uma criança nos braços de sua mãe (Sl 131 (130,2); quem teme a Deus está tranquilo até no meio das tempestades, porque Deus, como Jesus nos revelou, é Pai cheio de misericórdia e de bondade. Quem O ama não tem receio: “No amor não há temor. Ao contrário, o perfeito amor lança fora o temor, pois o temor implica castigo, e o aquele que teme não é perfeito no amor” (1Jo 4, 18). Portanto, quem crê não se assusta diante de nada, porque sabe que está nas mãos de Deus, sabe que o mal e a irritação não têm a última palavra, mas o único Senhor do mundo e da vida é Cristo, o Verbo de Deus encarnado, que nos amou até se sacrificar a Si mesmo, morrendo na Cruz para a nossa salvação.

Quanto mais crescemos nesta intimidade com Deus, impregnada de amor, mais facilmente vencemos qualquer forma de receio. No trecho bíblico de hoje, Jesus repete várias vezes a exortação a não ter receio. Tranquiliza-nos como fez com os Apóstolos, como fez com São Paulo mostrando-lhe em visão uma noite, num momento particularmente difícil da sua pregação: “Não tenhas medo – disse-lhes – porque Eu estou contigo” (At 18, 9).

É uma espécie de refrão que ressoa nas palavras de Jesus, repetido (nesse trecho) três vezes. Antes de qualquer raciocínio, hoje deveríamos assimilar e por assim dizer acolher em nós, saboreando – lhe toda a doçura, estas palavras de Jesus: Não tenhais medo!

Todo o Evangelho, e antes ainda o Antigo Testamento, está cheio disso. A Abraão Deus diz para não ter medo, na hora mesma que o chama para fora de sua terra, para um país desconhecido. Aos profetas diz: não temas, eu estou contigo. A Maria ainda: não temas, encontraste graça. Aos apóstolos, enviando-os ao mundo, diz: não temais diante dos tribunais e diante dos governadores. A todos os discípulos: Não tenhas medo, pequeno rebanho (Lc 12, 32).

Jesus oferece-nos as motivações, oferece-nos o verdadeiro remédio para nossos medos. Não temais – diz – aqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Não temais, pois! Vós valeis mais do que os pássaros. No entanto, nenhum cai por terra sem a vontade do Vosso Pai. “O Vosso Pai” – o que dizer: o que fará por vós que lhe sois filhos? A revelação da Paternidade de Deus e a revelação de uma vida além da morte asseguram, portanto, o convite de Jesus. Todo o medo é redimensionado no momento em que Jesus traça e revela um plano da vida humana – o plano mais verdadeiro e mais pessoal do homem – em que nada o pode prejudicar, nem quem o mata. Vós podeis nos matar, mas não podeis nos prejudicar, exclamava, dirigindo-se aos perseguidores, o mártir São Justino, nos primeiros dias da Igreja.

Por outro lado, o que é que se pode temer dos homens? Eles poderão rir-se, perseguir, privar dos bens terrenos, meter na prisão e até causar a morte; mas esse não é o pior mal. Jesus, com efeito, diz: “Não tenhais medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma. Pelo contrário, temei aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno!” (Mt 10, 28). O crente, em certos casos, pode encontrar-se perante uma alternativa extrema: ou renegar da fé por medo aos homens e perder a alma; ou, para não se separar de Cristo, ter que enfrentar graves danos, ou a própria morte, garantindo assim a vida eterna. O martírio, ato supremo de amor a Deus, é um dever para todo o cristão, quando o fugir dele signifique renegar da fé.

A raiz maligna de cada medo humano tem um nome preciso: é a morte, fruto do pecado. Jesus a venceu, expiando o pecado, todo o pecado do mundo. Venceu a morte passando pela morte e esvaziando-a de todo o veneno. A morte e a Ressurreição de Cristo são penhor de nossa vitória, são fonte de nossa esperança e de nossa coragem: Se Deus é por nós, quem será contra nós… Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A perseguição? A fome? A nudez? O perigo? A espada? … Mas, em todas essas coisas, somos mais que vencedores pela virtude daquele que nos amou (Rm 8, 31-37). Tribulações, angústia, perseguição e fome: a Escritura tomou conhecimento de nossos medos mais profundos, mas nos ofereceu uma saída, uma esperança de vitória, graças a Jesus Cristo, que nos amou e se entregou por nós (Gl 1,4).

Sem medo à vida e sem medo à morte, alegres no meio das dificuldades, esforçados e abnegados perante os obstáculos e as doenças, serenos perante um futuro incerto: o Senhor pede-nos que vivamos assim. E isto será possível se considerarmos muitas vezes ao dia que somos filhos de Deus, especialmente quando somos assaltados pela inquietação, pela perturbação e pelas sombras da vida. Esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé (1Jo 5, 4). E do alicerce seguro de uma fé inamovível surge uma moral de vitória que não é orgulho nem ingenuidade, mas a firmeza alegre do cristão que, apesar das suas misérias e limitações pessoais, sabe que essa vitória foi ganha por Cristo com a sua Morte na Cruz e com a sua gloriosa Ressurreição. Deus é a minha luz e a minha salvação, a quem temerei? Nem ninguém, nem nada, Senhor. Tu és a segurança dos meus dias!

Devemos ser fortes e valorosos diante das dificuldades, como é próprio dos filhos de Deus: ”Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma! Pelo contrário, temei aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno!” (Mt 10, 28). Jesus exorta – nos a não temer nada, exceto o pecado, que tira amizade com Deus e conduz à condenação eterna.

Fora o temor de perder a Deus – que é preocupação filial e precaução para não ofendê – Lo — nada nos deve inquietar. Em determinados momentos do nosso caminho, poderão ser grandes as tribulações que padeçamos, mas o Senhor nos dará então a graça necessária para superá-las e para crescer em vida interior: Basta – te a minha graça (2Cor 12, 9), nos dirá Jesus.

O Profeta Jeremias, diante das perseguições, incompreensões, diz: “Mas o Senhor está ao meu lado, como forte guerreiro; por isso, os que me perseguem cairão vencidos” (Jr 20, 11). Como os profetas e os apóstolos, a Igreja vive a sorte do seu Mestre e Senhor. Como Jeremias, cada cristão, frente às dificuldades e oposições, deve responder com uma atitude de fé: a disposição de assumir na própria vida o Mistério Pascal. Ao participarmos da Eucaristia, revivemos o mistério e o momento em que Ele venceu o mundo. Haurimos com fé e humildade dessa Eucaristia a coragem para retomar nossa vida cotidiana, amanhã, menos expostos ao medo. Somos os discípulos de alguém que venceu o mundo!

Acima de tudo, deve importar a opinião que Deus tenha de nós e de nossas obras. A opinião dos outros, muito depois. A opinião de Deus permanece para sempre, as dos outros passam e mudam. Ou seja, a opinião dos homens passa, Deus olha o verdadeiro, e seu juízo é eterno. Nossos atos têm valor diante de Deus. Temos de viver com esse sentido de eternidade. Não somos melhores por nos elogiarem, nem somos piores por nos criticarem. O que conta mesmo é o que somos diante de Deus!

Em todos os momentos, peçamos a proteção da Virgem Maria. “Na hora do desprezo da Cruz, Nossa Senhora está lá, perto do seu Filho, decidida a correr a sua mesma sorte.  – Percamos o medo de nos comportarmos como cristãos responsáveis, quando isso não é cômodo no ambiente em que nos desenvolvemos: Ela nos ajudará” (Sulco, 977).

Mons. José Maria Pereira

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