Jesus Cristo Rei no Tono da Cruz!?
Dom José Maria Pereira
A Solenidade de Cristo Rei do Universo é o coroamento do Ano Litúrgico. No próximo
domingo, dia 30 de novembro, será o primeiro domingo do Advento, um novo Ano Litúrgico,
início da preparação para o Natal. Ainda que as festas da Epifania, Páscoa e Ascensão sejam,
também, festas de Cristo Rei e Senhor de todas as coisas criadas, a festa, de hoje, foi
especialmente instituída para mostrar-nos Jesus como único soberano de uma sociedade que
parece querer viver de costas para Deus.
Ao celebrar Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, a Liturgia resgata uma das passagens
mais profundas e bonitas do Evangelho de Lucas, o relato do malfeitor arrependido. É a
passagem conhecida como “o Evangelho dentro do Evangelho”, uma das cenas mais
dramáticas e comoventes da Paixão. Mergulhar no mistério da Cruz, mais, no grande perdão
que marca a crucificação, é adentrar no sentido último do reinado de Jesus: a misericórdia
absoluta pelos pecadores.
Jesus veio ao mundo para buscar e salvar o que estava perdido; veio em busca dos homens
dispersos e afastados de Deus, pelo pecado. E, como estavam feridos e doentes, curou-os e
tratou-lhes as feridas. Tanto os amou que deu a vida por eles. Como Rei, vem para revelar o
amor de Deus, para ser o Mediador da Nova Aliança, o Redentor do homem. No Prefácio da
Missa fala-se de Jesus que ofereceu ao Pai “um reino de verdade e de vida, de santidade e de
graça, de justiça, de amor e de paz”.
Assim é o Reino de Cristo, do qual somos chamados a participar e que somos convidados a
dilatar, mediante um apostolado fecundo. O Senhor deve estar presente nos nossos familiares,
amigos, vizinhos companheiros de trabalho… “Perante os que reduzem a religião a um cúmulo
de negações, ou se conformam com um catolicismo de meias-tintas; perante os que querem
pôr o Senhor, de cara contra a parede, ou colocá-Lo, num canto da alma…, temos de afirmar,
com as nossas palavras e com as nossas obras, que aspiramos a fazer de Cristo um autêntico
Rei de todos os corações…, também dos deles” (São Josemaria Escrivá, Sulco, nº 608).
Disse São João Paulo II: “A Igreja tem necessidade, sobretudo, de grandes correntes,
movimentos e testemunhos de santidade entre os fiéis, porque é da santidade que nasce toda
a autêntica renovação da Igreja, todo o enriquecimento da fé e do seguimento cristão,
uma reatualização vital e fecunda do cristianismo com as necessidades dos homens, uma
renovada forma de presença no coração da existência humana e da cultura das nações”.
A atitude do cristão não pode ser de mera passividade em relação ao reinado de Cristo no
mundo. Desejamos ardentemente esse reinado. É necessário que Cristo reine, em primeiro
lugar, na nossa inteligência, mediante o conhecimento da sua doutrina e o acatamento
amoroso dessas verdades reveladas. É necessário que reine, na nossa vontade, para que se
identifique, cada vez mais, plenamente com a vontade divina. É necessário que reine, no nosso
coração, para que nenhum amor se anteponha ao amor de Deus. É necessário que reine no
nosso corpo, templo do Espírito Santo; no nosso trabalho profissional, caminho de santidade…
Convém que Ele reine!” (Papa Pio XI).
Cristo é um Rei que recebeu todo o poder no Céu e na terra, e governa, sendo manso e
humilde de coração, servindo a todos, porque não veio para ser servido, mas para servir e dar
a sua vida, para a redenção de muitos.
O Evangelho (Lc 23, 35-43) apresenta o Rei no trono da Cruz; Cristo não aparece sentado num
trono de ouro, mas pregado numa Cruz, com uma coroa de espinhos na cabeça, com uma
irônica inscrição pregada na Cruz: “Jesus Nazareno Rei dos Judeus”.
A Cruz é o trono, em que se manifesta, plenamente, a realeza de Jesus, que é perdão e vida
plena para todos. A Cruz é a expressão máxima de uma vida feita de Amor e de entrega.
A Cruz é o acontecimento central! Aqui Cristo manifesta a sua singular realeza. No Calvário,
confrontam-se duas atitudes opostas. Algumas personagens, aos pés da Cruz, e, também, um
dos dois ladrões, dirigem-se com desprezo ao Crucificado: “Se tu és o Cristo, o Rei Messias” –
dizem eles – “salva-te a ti mesmo e desce da Cruz!”. Ao contrário, Jesus revela a própria glória
permanecendo ali, na Cruz, como Cordeiro imolado. Com ele, declara-se, imediatamente, o
outro ladrão, que implicitamente confessa a realeza do justo inocente e implora: “Recorda-te
de mim, quando estiveres no teu reino” (Lc23, 42). São Cirilo de Alexandria comenta: “Vê-lo
crucifixo e chamá-lo rei. Crês que aquele que suporta escárnio e sofrimento chegará à glória
divina” (Comentário a Lucas, Homilia 153). Segundo o evangelista São João, a Glória divina já
está presente, mesmo se escondida, pelo desfiguramento da Cruz. Mas, também, na
linguagem de São Lucas, o futuro é antecipado para o presente quando Jesus promete ao bom
ladrão: “Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 43). Santo Ambrósio observa: “Ele pedia ao
Senhor para que se recordasse dele, quando estivesse no seu Reino, mas o Senhor respondeu-
lhe: Em verdade, em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso. A vida é estar com
Cristo, porque, onde está Cristo ali está o Reino” (Exposição do Evangelho segundo Lucas, 10,
121). A acusação: “Este é o Rei dos Judeus”, escrita numa tábua pregada no alto da Cruz,
torna-se, assim, a proclamação da verdade. Observa ainda Santo Ambrósio: “Justamente a
inscrição está no cimo da Cruz, porque mesmo estando o Senhor Jesus na Cruz, contudo
resplandecia do alto da Cruz com uma majestade real” (idem, Santo Ambrósio, 10, 113). O
drama que se desenvolve aos pés da Cruz, de Jesus, é um drama universal; diz respeito a todos
os homens, diante de Deus, que se revela por aquilo que é, ou seja, Amor.
Vale meditar cada vez mais, contemplar Cristo, na Cruz, e suas palavras: “Na verdade digo-te:
hoje estarás comigo no Paraíso”. Com estas palavras, Jesus, do Trono da Cruz, recebe cada
homem com misericórdia infinita. Ainda Santo Ambrósio, que comenta que se trata de “um
bonito exemplo da conversão pela qual é necessário aspirar: depressa ao ladrão é concedido o
perdão, e a Graça é mais abundante do que o pedido; com efeito, o Senhor — diz Santo
Ambrósio – concede sempre mais do que o que se lhe pede”.
Na oração do Pai Nosso, Jesus ensina-nos a pedir: “Venha a nós o vosso Reino”.
Jesus convida-nos a fazer parte desse Reino e a trabalhar, para que esse Reino chegue ao
coração de todos.
Um ladrão foi o primeiro a reconhecer a sua realeza: “Senhor, lembra-te de mim quando
entrares no teu Reino” (Lc 23, 42).
Hoje, ouvimos o Senhor dizer-nos na intimidade do nosso coração: “Eu tenho sobre ti
desígnios de paz e não de aflição” (Jr 29, 11). E fazemos o propósito de corrigir no nosso
coração o que não estiver de acordo com o querer de Cristo.
Ao mesmo tempo, pedimos-lhe que nos reforce a vontade de colaborar na tarefa de estender
o seu reinado, ao nosso redor, e em tantos lugares em que ainda não o conhecem.
“Venha a nós o vosso Reino”.
Que esse Reino venha de fato ao nosso coração e ao coração de todos os homens: Reino de
Verdade e de Vida; Reino de Santidade e de Graça; Reino de Justiça, de Amor e de Paz…
Finalizo esta reflexão, lembrando um dos crucificados com Jesus, o chamado bom ladrão. O
ladrão que “roubou” o paraíso com um pedido. Ninguém, antes dele, escutou semelhante
promessa, nem Abraão, Isaac ou Jacó, nem Moisés ou os profetas; Mas, também, a sua fé não
foi pequena.
Ele viu Cristo atormentado e o adorou, como se estivesse na sua glória. Viu-o cravado na Cruz
e lhe suplicou como se estivesse em um trono. Viu-o condenado e lhe pediu um favor como a
um rei. Viu um homem crucificado e o proclamou Deus e Rei. É uma ótima oração a do ladrão
penitente: “Jesus, lembra-te de mim”.
A Igreja, no Brasil, comemora, hoje, o Dia Nacional dos Leigos e Leigas. Apresentemos, diante
do altar de Deus, a vida de todas as pessoas que estão comprometidas com o Evangelho e com
a vida de nossas comunidades.
Sejamos mensageiros desse Reino, na família, na rua, na sociedade, no ambiente de trabalho…
E, que Maria, a Mãe Santa do nosso Rei, Rainha da Paz, Rainha do nosso coração, cuide de nós
como só Ela o sabe fazer!
Dom José Maria Pereira

