Homilia do Mons. José Maria – XXXII Domingo do Tempo Comum – Ano B

A Fé das Viúvas

A Palavra de Deus deste Domingo, apresenta-nos como modelos de fé as figuras de duas viúvas que mereceram ser louvadas por Deus. Estas duas mulheres são muito pobres, e precisamente com esta sua condição demonstram uma grande fé em Deus.

No Primeiro Livro dos Reis (  17,10 – 16 ), temos o exemplo da viúva de Sarepta. O Profeta Elias chega à cidade de Sarepta, morto de fome e sede… Encontra uma viúva a quem lhe pede água e pão. Ela dispunha apenas de um punhado de farinha e uma gota de azeite, mas, dado que o profeta insiste e lhe promete que, se o ouvir, não lhe faltarão nem farinha nem azeite, satisfaz o seu pedido e é recompensada. Deus não abandona quem dá com alegria!

No Evangelho de Marcos ( 12,38-44), vemos o exemplo de outra viúva. Jesus senta-se perto da caixa de esmolas no Templo e observa: De um lado, uma pobre viúva, oferece discretamente duas moedinhas; Do outro, gente importante dá solenemente grandes quantias.

Destes dois episódios bíblicos, sabiamente comparados, podemos obter um precioso ensinamento sobre a fé. Ela é vista como atitude interior de quem funda a própria vida em Deus, na sua Palavra, e confia totalmente n’Ele. Deus pede sempre a nossa livre adesão de fé, que se expressa no amor por Ele e pelo próximo. Ninguém é tão pobre que não possa dar algo. E de fato, as nossas duas viúvas de hoje demonstram a sua fé cumprindo um gesto de caridade: uma para com o profeta e a outra dando esmola. Confirmam assim a unidade inseparável entre fé e caridade, assim como entre o amor de Deus e o amor ao próximo. Afirma o Papa São Leão Magno: “Na balança da justiça divina não se pesa a quantidade dos dons, mas o peso dos corações. A viúva do Evangelho depositou no tesouro do templo duas moedas de pouco valor e superou os dons de todos os ricos. Nenhum gesto de bondade está privado de sentido diante de Deus, nenhuma misericórdia permanece sem fruto”.

Toda oferta que brota do coração tem valor incalculável aos olhos de Deus. A hospitalidade da primeira é compensada pelo milagre de Elias; a humilde generosidade da segunda merece de Jesus um grande elogio. Teve a honra de ser lembrada por Jesus.

Esse episódio é ocasião para que Jesus dê um ensinamento onde realça a importância do que aparentemente é insignificante. Usa uma expressão um tanto paradoxal: a pobre viúva deu mais que os ricos. Diante de Deus o valor das ações consiste mais na retidão de intenção e na generosidade de espírito, que na quantia do que se dá. Ou seja, mais do que na quantia, Jesus repara nas disposições interiores que movem a agir; não tanto para “a quantidade que se oferece, mas para o afeto com que se oferece”, ensinava São João Crisóstomo.

A esmola, não só do supérfluo, mas também do necessário, é uma obra de misericórdia gratíssima ao Senhor, que não deixa de ser recompensada. “Uma casa caritativa jamais será pobre”, repetia o Santo Cura d’Ars.

Com que alegria a mulher do Evangelho não voltaria para casa, depois de ter dado tudo o que tinha! Que surpresa não terá sido a sua quando, no seu encontro com Deus depois desta vida, pôde ver o olhar comprazido com que Jesus a olhou naquela manhã em que fez a sua oferta! Todos os dias esse olhar de Deus pousa nas nossas vidas.

A esmola, em qualquer das suas formas, é expressão da nossa entrega e do nosso amor ao Senhor. Dar e dar-se não depende do muito ou do pouco que se possua, mas do amor.

Deus premiará abundantemente a nossa generosidade. O que tivermos dado aos outros, em tempo, dedicação, bens materiais…, o Senhor no-lo devolverá aumentado!

Deus não olha tanto à quantidade do dom quanto ao coração e à situação de quem dá. A viúva, que por amor se priva de tudo o que tem, dá muito mais que os ricos que oferecem quantias avultadas sem subtrair alguma coisa à sua comodidade. O seu gesto não tem explicação sem uma grande fé, maior ainda do que a da mulher de Sarepta, porque não se apoia na promessa de um profeta, mas unicamente em Deus e age com a preocupação exclusiva de O servir com todo o coração.

Comentando essa passagem, São Paulino de Nola ( séc. V) diz : “Tens algo- diz o apóstolo- que não tenhas recebido? Portanto, amadíssimos, não sejamos avaros de nossos bens como se eles nos pertencessem, mas negociemos com eles como com um empréstimo. Foi-nos confiada a administração e o uso temporal dos bens comuns, não a eterna posse de uma coisa privada. Se na terra a consideras tua somente temporalmente, poderás torna-la tua eternamente no céu. Se recordares aqueles empregados do Evangelho que receberam alguns talentos de seu Senhor e o que o proprietário, ao seu regresso, deu a cada um em recompensa, reconhecerás quanto mais vantajoso é depositar o dinheiro na mesa do Senhor para fazê-lo frutificar, que conservá-lo intacto com uma fidelidade estéril; compreenderás que o dinheiro ciosamente conservado, sem o menor rendimento para o proprietário, tornou-se para o empregado negligente em um enorme desperdício e em um aumento de seu castigo.

Recordemos também aquela viúva, que se esquecendo de si mesma e preocupada unicamente pelos pobres, pensando somente no futuro, deu tudo o que tinha para viver, como o testemunha o próprio juiz. Os outros- diz- lançaram daquilo que tinham de sobra; porém esta, mais pobre talvez do que muitos pobres- já que toda a sua fortuna se reduzia a duas moedas-, mas em seu coração mais admirável que todos os ricos, posta sua esperança somente nas riquezas da eterna recompensa e ambicionando para si somente os tesouros celestiais, renunciou a todos os bens que procedem da terra e à terra retornam. Lançou o que tinha, para possuir os bens invisíveis. Lançou o corruptível, para adquirir o imortal. Aquela pobrezinha não menosprezou os meios previstos e estabelecidos por Deus em vista da consecução do prêmio futuro; por isso o legislador também não se esqueceu dela, e o árbitro do mundo antecipou sua sentença: no Evangelho ele elogia aquela que coroará no juízo.

Negociemos,  portanto, ao Senhor com os próprios dons do Senhor; nada possuímos que dele não tenhamos recebido, sem cuja vontade nem sequer existiríamos. E, sobretudo, como poderemos considerar algo nosso, nós que, em virtude de uma hipoteca importante e peculiar, não nos pertencemos, e não só porque fomos criados por Deus, mas por sermos redimidos por ele?

Congratulemo-nos por sermos comprados a grande preço, ao preço do sangue do próprio Senhor, deixando por isso mesmo de sermos pessoas vis e venais, já que a liberdade que consiste em sermos livres da justiça é mais vil que a própria escravidão. Aquele que assim é livre, é escravo do pecado e prisioneiro da morte. “Restituamos, pois, ao Senhor os seus dons; demos a ele, que recebe na pessoa de cada pobre; demos, insisto, com alegria, para receber dele a plenitude da alegria, como ele mesmo disse.”

“Deus ama a quem dá com alegria” (2 Cor 9,7).

A Virgem Maria é exemplo perfeito de quem oferece a si mesmo confiando em Deus; com esta fé Ela disse ao Anjo “Eis-me” e acolheu a vontade do Senhor. Maria, Mãe da Igreja, ajude também, cada um de nós, a fortalecer a confiança em Deus e na sua Palavra.

 

Mons. José Maria Pereira

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