Grandes são os pequenos

Grandes são os pequenos

Segundo Domingo do Advento – C

Leituras: Br 5,1-9; Sl 125; Fl 1,4-11; Lc 3,1-6

São Paulo recorda os começos da pregação do Evangelho aos Filipenses e pede para eles o aumento na caridade que os fará maduros na fé: “Aquele que começou em vós a boa obra há de levá-la à perfeição até o dia de Cristo Jesus” (Fl 1,6). A Igreja teve seus começos lá pelo ano 30 da nossa era, com a paixão e a ressurreição do Senhor. Poucos dias depois ela foi promulgada em Pentecostes, quando o Espírito Santo manifestou a comunhão dos discípulos de Jesus. Devem ter sido dias muito belos, pois foram os começos de uma grande aventura a seguir o seu curso durante milênios. À medida que iam passando os anos, os cristãos de uma nova geração veriam os seus antecessores com admiração. Um caso típico é quando encontramos Santo Irineu de Lyon, na França, a pregar o Evangelho, debelar os erros, favorecer a virtude e morrer no ano 200 d. C. Santo Irineu foi discípulo de São Policarpo, este o foi de São João; por sua vez, São João foi o discípulo amado de Jesus. Seria interessante olhar para Irineu e entender que ele tinha palavras que ele recebera de Jesus através de João e de Policarpo. Não à toa, o conceito de Tradição que nós manejamos hoje em dia tem tudo a ver com aquele que nos legou Santo Irineu em sua famosa obra “Contra as heresias”.

Precisamos voltar a admirar os nossos pais na fé, a história da nossa Igreja. Nós temos pátria e família, algo pequeno que se tornou grande. Os nossos irmãos foram heróicos muitas vezes. Se bem é verdade que alguns dos nossos foram traidores e, inclusive, grandes pecadores, o quadro da Igreja, com suas luzes e sombras, é, em seu conjunto, muito belo, a tal ponto que um Caravaggio não conseguiria pintá-lo. A obra de arte chamada “Igreja” é coisa de Deus, que continua a pintar nas almas pequenas para torná-las grandes.

Todos os anos a nossa mente fica povoada com um dos grandes discípulos de Jesus e irmão nosso, São João Batista, que São Lucas descreve como “filho de Zacarias, no deserto. Ele percorreu toda a região do Jordão, proclamando um batismo de arrependimento para a remissão dos pecados” (Lc 3,2-3). A história de João Batista, concreta e real como são a história da vida das pessoas, embarca-se em um contexto grandioso, como é a história do mundo no qual estamos situados. O evangelista faz questão de apresentar João Batista, um homem do deserto, situado em contexto grandioso, “no décimo quinto do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era governador da Judéia, Herodes tetrarca da Galiléia” (Lc 3,1). Contudo, João Batista, apesar de viver em um deserto, foi muito mais imortalizado do que Tibério, Pôncio Pilatos e Herodes. Mais ainda, quiçá só conheçamos algo de Tibério, de Pilatos e de Herodes por causa de João Batista e de Jesus. Paradoxalmente, é a partir do que é pequeno que visualizamos o que consideramos grande.

Não parece, portanto, que a grande história é feita pelos homens que vivem “no deserto” ou na sua “pequena vida”? Já era ordem de Deus, através de Baruc, que “sejam abaixadas toda alta montanha e as colinas eternas” (Br 5,7). Esse mandato do Senhor também fora proclamado pela Virgem Santa Maria quando disse que Deus “dispersou os homens de coração orgulhoso, depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou” (Lc 1,51-52). Quando alguém quer fazer uma coisa grande, universal, é melhor fazer algo pequeno, quiçá muito regionalizado. Acaso não foi isso que aconteceu com Dante Alighieri, ao escrever a “Divina Comédia”, contando coisas regionalizadas de sua querida Florência e utilizando a língua do povo (italiano), elevando-a a nível de idioma nacional? Acaso não foi isso que fez Santa Teresinha vivendo o seu dia-a-dia em um carmelo da França e tornando-se padroeira das missões? Será que não foi isso que fez São João Batista, pregando em um deserto, e sendo, ao mesmo tempo, um dos santos mais populares de todos os tempos? Está nos planos de Deus: os humildes serão exaltados!

A alegria pela derrota do mal, essencialmente orgulhoso em sua nulidade, e a vitória do bem, essencialmente cheio de conteúdo em sua aparente pequenez, fica muito clara no Salmo 125: “voltam cantando”. Certamente os humildes sofrem as privações do deserto, mas voltam alegres, cantando. Parece ridículo, mas Deus quer que nós sejamos “voz do que clama no deserto” (Lc 3,4): neste mundo secularizado, Deus quer que falemos dele com reverência; em ambientes cheios de luxúria, o Senhor quer jovens que vivem e amam a virtude da castidade; nesse contexto amante do dinheiro, Jesus quer que estejamos desapegados. Não é isso viver em um deserto ou em uma ilha? E, no entanto, são essas luzes e sombras que marcam o quadro belíssimo que é a Igreja. As nossas vidas também estão cheias de perfeições e imperfeições e, contudo, não tem muita importância se formos humildes, preparando o caminho do Senhor. Como? Lutando, diariamente, para que os vales das nossas tristezas sejam aterradas, as colinas da nossa soberba sejam abaixadas, as vias sinuosas das nossas complicações se transformem em simplicidade e naturalidade, os caminhos acidentados dos nossos pecados sejam nivelados e apareçam as feridas saradas que testemunham o nosso amor a Deus. Desta maneira, a nossa carne mesmo verá a salvação de Deus (Lc 3,4-6), pois ressuscitaremos para a vida eterna, não para o fogo eterno.

Pelo amor de Deus, jamais desprezemos o pequeno, o cotidiano, os nossos desertos áridos, pois, precisamente nessas circunstâncias, é que um João Batista se faz. A disciplina que você procura guardar todos os dias, a oração sem sentir nada a qual você procura ser fiel, aquela penitência que parece sem sentido, aquela palavra amiga que você procurou dirigir a alguém indiferente… Essas coisas estão fazendo de você uma pessoa grande, mesmo que você não perceba. Na verdade, é até bom que você não se dê conta do grande que você tem ficado através das pequenas coisas e, se você perceber essas maravilhas de Deus, louve o Senhor. É ele! A Igreja também começou pequena, doze apóstolos e algumas poucas mulheres, porém hoje em dia é algo grandioso, destinado a crescer e a estender seus ramos a todos as nações.

Padre Françoá Costa
E-mail: [email protected]
Instagram: @padrefcosta

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