Homilia de Bento XVI na Missa Crismal (Semana Santa 2008)

Homilia pronunciada por Bento XVI  ao presidir na Basílica de São Pedro, no Vaticano, a Missa Crismal.

Caros irmãos e irmãs,

todo ano, a Missa do Crisma nos exorta a entrar naquele «sim» ao chamado de Deus, que pronunciamos no dia de nossa Ordenação sacerdotal. «Adsum – eis-me», dissemos como Isaías, quando sentiu a voz de Deus que perguntava: «Quem mandarei e quem irá por nós?» «Eis-me, enviai-me!», responde Isaías (Is 6, 8). Depois, o Próprio Senhor, mediante as mãos do bispo, nos impõe as mãos e nós nos doamos a sua missão. Sucessivamente percorremos muitos caminhos no âmbito de seu chamado. Podemos sempre afirmar isto que Paulo, depois de um ano de serviço ao Evangelho, às vezes cansativo e assinalado por sofrimentos de todo gênero, escreve aos Coríntios: «Nosso zelo não é menor naquele ministério que, pela misericórdia de Deus, nos foi confiado» (cf. 2 Cor 4, 1)? «Nosso zelo não é menor». Rezemos nesse dia, a fim de que ele seja sempre reacendido, a fim de que seja sempre novamente nutrido pela chama viva do Evangelho.

Ao mesmo tempo, a Quinta-feira Santa é para nós uma ocasião para perguntar-nos sempre de novo: A que dissemos «sim»? O que é este «ser sacerdote de Jesus Cristo?» O Canon II de nosso Missal, que provavelmente foi redigido no final do século II, em Roma, descreve a essência do ministério sacerdotal com as palavras nas quais, no Livro do Deuteronômio (18, 5. 7), era descrita a essência do sacerdócio veterotestamentário: astare coram te et tibi ministrare. São, portanto, dois os compromissos que definem a essência do ministério sacerdotal: em primeiro lugar, o «estar diante do Senhor». No Livro do Deuteronômio isto é lido no contexto da disposição precedente, segundo a qual os sacerdotes não recebiam nenhuma porção de terra na Terra Santa – eles vivam de Deus e por Deus. Não atendiam aos trabalhos ordinários necessários para o sustento da vida cotidiana. Sua profissão era «estar diante do Senhor» – olhar a Ele, ser para Ele. Assim, definitivamente, a palavra indicava uma vida na presença de Deus, com isto também um ministério em representação dos outros. Como os demais cultivavam a terra, da qual vivia também o sacerdote, assim ele mantinha o mundo aberto a Deus, devendo viver com o rosto voltado para Ele. Se esta palavra agora se encontra no Canon da Missa imediatamente depois da consagração dos dons, depois da entrada do Senhor da assembléia em oração, portanto, isto indica para nós o estar diante do Senhor presente, indica, isto é, a Eucaristia como centro da vida sacerdotal. Mas também aqui a entrada é outra. No hino da Liturgia das Horas que durante a quaresma introduz o Ofício das Leituras – o Ofício que uma vez junto aos monges era recitado durante a hora da vigília noturna diante de Deus e pelos homens – um dos compromissos da quaresma é descrito com o imperativo: arctius perstemus in custodia – estamos em guarda de modo mais intenso. Na tradição do monasticismo siríaco, os monges eram qualificados como «aqueles que estão em pé»; o estar em pé era a expressão da vigilância. Isto que aqui era considerado compromisso dos monges, podemos com razão vê-lo também como expressão da missão sacerdotal e como justa interpretação da palavra do Deuteronômio: o sacerdote deve ser alguém que vigia. Deve estar em guarda frente às forças persistentes do mal. Deve ter despertado o mundo para Deus. Deve ser alguém que está em pé: firme frente as correntes do tempo. Firme na verdade. Firme no empenho pelo bem. Estar diante do Senhor deve sempre, no mais profundo, também carregar os homens junto ao Senhor que, por sua vez, leva todos nós junto ao Pai. E deve ser um propagador d’Ele, de Cristo, de sua palavra, de sua verdade e seu amor. Reto deve ser o sacerdote, impávido e disposto a receber pelo Senhor também ultrajes, como refere os Atos dos Apóstolos: eles estavam «felizes de serem ultrajados por amor do nome de Jesus» (5, 41).

Passamos agora à segunda palavra, que o Cânon II toma do texto do Antigo Testamento – «estar diante de vós e vos servir». O sacerdote deve ser uma pessoa reta, vigilante, uma pessoa justa. A tudo isto se acrescenta então o servir. No texto veterotestamentário esta palavra tem um significado essencialmente ritual: aos sacerdotes restavam todas as ações de culto previstas pela Lei. Mas este agir segundo o rito era então classificado como serviço, com um encargo de serviço, e assim se explica em qual espírito aquelas atividades deviam ser desenvolvidas. Com a assunção da palavra «servir» no Cânon, este significado litúrgico do termo é de certo modo adotado – conforme a novidade do culto cristão. O que o sacerdote faz naquele momento, na celebração da Eucaristia, é servir, cumprir um serviço a Deus e um serviço aos homens. O culto que Cristo prestou ao Pai foi o doar-se até o fim pelos homens. Neste culto, neste serviço o sacerdote deve se inserir. Assim a palavra «servir» comporta muitas dimensões. Certamente faz parte, antes de tudo, a reta celebração da Liturgia e dos Sacramentos em geral, realizada com participação interior. Devemos começar a compreender sempre mais a Sagrada Liturgia em toda sua essência, desenvolver uma viva familiaridade com ela, assim que se torne a alma de nossa vida cotidiana. É então que celebramos de modo justo, então emerge por si o ars celebrandi, a arte do celebrar. Nesta arte não deve existir nada de artificial. Se a Liturgia é um dever central do sacerdote, isto significa também que a oração deve ser uma realidade prioritária a começar sempre de novo e sempre mais profundamente à escola de Cristo e dos santos de todos os tempos. Porque a Liturgia cristã, por sua natureza, é sempre também anúncio, devemos ser pessoas que com a Palavra de Deus possuem familiaridade, a amamos e a vivemos: só então poderemos explicá-la de modo adequado. «Servir o Senhor» – o serviço sacerdotal significa justamente também começar a conhecer o Senhor em sua Palavra e fazê-Lo conhecido a todos aqueles que Ele nos confia.

Fazem parte do servir, por fim, ainda dois outros aspectos. Ninguém é tão próximo do seu senhor como o servo que participou da dimensão privada da sua vida. Neste sentido, servir significa proximidade, familiaridade. Esta familiaridade comporta um perigo: que o sagrado por nós continuamente encontrado torne-se habitual. Perde-se então o temor reverencial. Condicionados pelo hábito, não percebemos mais o grande fato, novo, surpreendente, que Ele próprio se faz presente, que fale, se dê a nós. Devemos lutar sem trégua contra essa indiferença e esse acostumar-se à realidade extraordinária, reconhecendo sempre de novo a nossa insuficiência e a graça pelo fato d’Ele se entregar em nossas mãos. Servir significa proximidade, mas significa sobretudo obediência. O servo baseia-se na palavra: «Não se faça a minha vontade, mas sim a tua» (Lc 22, 42). Com estas palavras, Jesus, no Horto das Oliveiras, solucionou a batalha decisiva contra o pecado, contra a rebelião do coração fragilizado. O pecado de Adão consistia, então, no fato dele querer realizar a própria vontade e não a de Deus. A tentação da humanidade é sempre a de tentar ser totalmente autônoma, de seguir unicamente a própria vontade e de acreditar que, sozinha, será livre; que apenas graças a uma tal liberdade sem limites, o homem seria completamente homem. Mas justo aqui nos colocamos contra a liberdade. Porque a verdade é que nós devemos partilhar a nossa liberdade com os outros, e que nos fazemos livres somente em comunhão com os outros. Esta liberdade partilhada será liberdade verdadeira apenas se adentrarmos naquilo que constitui a essência da própria liberdade, se participarmos da vontade de Deus. Esta obediência fundamental faz parte do ser humano: um ser não dá unicamente a si próprio, esta é uma marca muito concreta do sacerdote: nós não anunciamos a nós mesmos, mas a Ele, sua Palavra, que não podemos inventar sozinhos. Anunciamos a Palavra de Cristo de modo justo somente na comunhão do seu Corpo. Nossa obediência é um crer com a Igreja, um pensar e falar com a Igreja, um servir com ela. Participar disto sempre como Jesus disse a Pedro: «outro te cingirá e te levará para onde não queres». Este se fazer guiar para onde não queremos é uma dimensão essencial do nosso serviço, e é daí que vem a liberdade. No se deixar guiar, que pode ser contrário às nossas idéias e projetos, experimentamos algo novo – a riqueza do amor de Deus.

«Estar diante dele e servi-lo»: Jesus Cristo o verdadeiro Sumo Sacerdote do mundo conferiu a esta palavra uma profundidade anteriormente inimaginável. Ele, que como Filho era e é o Senhor, quis ser como o servo de Deus que a visão do Livro do profeta Isaías previra. Quis ser o servo de todos. Representou o símbolo do seu sumo sacerdócio no gesto do lava-pés. Com o gesto de amor até o final, ele lava os nossos pés maculados, com a humildade do seu serviço que purifica da moléstia da nossa soberba. Algo que possibilita sentar à mesa junto de Deus. Ele desceu, e a verdade ascendente do homem se realiza no nosso rebaixamento com Ele e no seu caminho. A sua elevação é a Cruz. É a descida mais profunda e, com amor até o final, é ao mesmo tempo o cume da ascensão, a verdadeira «elevação» do homem. «Estar diante dele e servi-lo» – que significa agora entrar no seu chamado de servos de Deus. A eucaristia como presença da descida e da ascensão de Cristo prolonga para sempre, além de si mesma, a variedade de modos de serviço de amor ao próximo. Peçamos ao Senhor, neste dia, o dom de poder dizer novamente o nosso «sim» ao seu chamado: «Eis-me aqui, enviai-me, Senhor» (Is 6, 8).

Amém.

[Traduzido por Zenit]

© Copyright 2008 – Libreria Editrice Vaticana]

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