Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva – III Domingo do Tempo Comum – Ano C

Caros irmãos e irmãs,

A liturgia da Palavra deste domingo coloca no centro da nossa reflexão o início da pregação de Jesus. O Evangelista São Lucas, que nos acompanha durante este ano litúrgico, apresenta um significativo texto em que narra o começo do ministério de Jesus na sinagoga de Nazaré e tem seus paralelos sinóticos em Mc 6,1-6 e Mt 13,53-58.   É o começo da intervenção salvífica de Deus em Jesus Cristo.  

O texto evangélico nos situa em Nazaré, a cidade onde Jesus foi criado e, em um dia de sábado, Jesus entra na sinagoga da cidade.  O culto sinagogal, como era o costume, consistia na leitura da palavra de Deus feita por turno, por alguns membros da comunidade.  Lia-se inicialmente um trecho do livro da Lei ou seja, os primeiros cinco livros da Bíblia, e, em seguida, uma passagem dos livros dos Profetas, que pudesse elucidar o texto lido.  Jesus se apresenta para ler o trecho profético e fazer o comentário.  Ele escolhe um texto do profeta Isaías Is 61,1-2, que assim diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim (…) enviou-me para anunciar a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coração e para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da vista, para pôr em liberdade os prisioneiros e para publicar o ano da graça do Senhor” (v. 17-19).  É um texto em que descreve como é que o Messias concretizará a sua missão.

É significativo cada momento da narrativa sobre o fato ocorrido naquela manhã na sinagoga de Nazaré.  Inicialmente Jesus abre o volume que lhe é entregue.  Em seguida, após a leitura, enrola o volume, o entrega ao assistente e toma o seu assento.  Naquele tempo, quem se sentava para instruir os outros era considerado mestre.  O evangelista São Lucas quer frisar que Jesus se tornou o nosso mestre.  Todos os livros do Antigo Testamento têm a finalidade de nos conduzir até Ele.  Nas celebrações dominicais sempre temos uma leitura tirada de algum livro do Antigo Testamento, porque estes textos são indispensáveis, visando nos preparar a escutar o Cristo.

Podemos dizer que neste trecho do Evangelho temos um programa que Jesus irá realizar ao longo da sua vida terrena.  A sua missão consiste em fazer realizar a boa nova e elucidar que algo novo chegou ao coração e à vida de todos os prisioneiros do sofrimento, da opressão, da injustiça, do desânimo, do medo. O que é mais significativo, no entanto, é a “atualização” que Jesus faz desta profecia: Ele se apresenta como o profeta que Deus ungiu com o seu Espírito, a fim de concretizar essa missão.

E neste texto Jesus manifesta de forma bem nítida a consciência de que foi investido do Espírito de Deus e enviado para transformar tudo o que rouba a vida e a dignidade do homem.  É ele que vem anunciar a plenitude da bênção de Deus para a humanidade.  Ele vem, como diz o texto, para anunciar o Evangelho aos pobres. No sermão das bem-aventuranças, lemos: “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3). Neste sermão Jesus se refere aos indigentes, aos carentes, aos fracos, aos humilhados. São os que trabalham dignamente e possuem apenas o trivial, os que vivem em condição de miséria absoluta. São ainda os desprovidos de socorro humano e material e que recorrem exclusivamente ao socorro de Deus e, por isso, são felizes. São felizes  por não acumularem tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem corroem. São felizes porque foram cativados a servir a Deus e amar ao próximo. São felizes por terem encontrado a alegria do ser. 

Jesus é aquele que também vem dar a vista aos cegos, não só os curando miraculosamente como sinal do seu poder, mas iluminando cada pessoa, para que ela possa conhecer a luz da fé e os preceitos da Lei de Deus.  Ele vem livrar os cativos de toda a escravidão, quer material, quer espiritual, que desfigura a humanidade.  Ele vem implantar no mundo a alegria da liberdade dos filhos de Deus. 

Nas páginas do Evangelho encontramos uma orientação muito clara aos pobres e aos doentes, àqueles que muitas vezes são desprezados e esquecidos, aqueles que não têm como retribuir. Hoje e sempre, os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho (cf. FRANCISCO, Carta Encíclica “Evangelii Gaudium”, 48). 

Jesus, após ler o trecho do livro do profeta Isaías, diz: “Hoje se cumpriu este oráculo que vós acabais de ouvir” (v. 21).  Ele anuncia repentinamente que essa palavra se cumpre hoje, nele.  Na verdade o próprio Jesus é o “hoje” da salvação na história, porque leva a cumprimento a plenitude da redenção. O termo “hoje” já nos é apresentado com as palavras que o anjo dirigiu aos pastores: “Hoje nasceu para vós, na Cidade de Davi, um Salvador, o Cristo Senhor” (Lc 2, 11).

Aquele “hoje” pronunciado por Jesus naquele sábado em Nazaré vale para todo o sempre, porque Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre (cf. Hb 13,8).  Este trecho interpela também a nós. Esta passagem do Evangelho também nos convida a interrogar-nos sobre a nossa capacidade de escuta. Antes de poder falar de Deus e com Deus, é preciso ouvi-lo, e a liturgia da Igreja é a escola desta escuta do Senhor que nos fala. Enfim, nos diz que cada momento pode tornar-se um “hoje” propício para a nossa conversão.

Também nós hoje somos chamados a anunciar aos necessitados uma palavra de estímulo e de esperança. Cada dia pode tornar-se o “hoje” salvífico, porque a salvação é história que continua para a Igreja e para cada discípulo de Cristo. 

O “Hoje” é a novidade de Jesus e indica que o tempo está em desenvolvimento e que a história da humanidade está atravessando um momento excepcional de graça. O “hoje” prolonga-se no tempo da Igreja, o nosso tempo é o “hoje” de Deus.

A escuta da Palavra de Deus deve nos conduzir, como conduziu o povo da primeira leitura, a um exame de consciência, ao arrependimento e à conversão. A Palavra proclamada também é geradora de festa, de alegria e de felicidade: “Hoje é um dia consagrado a nosso Senhor; portanto, não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza” (Ne 8,9), como consta na primeira leitura. O fato de Deus ainda hoje nos dirigir a sua palavra salvadora é fonte de alegria e de festa. Além disto, a Palavra de Deus é sempre palavra de salvação, que tem o seu pleno cumprimento em Jesus de Nazaré.  E nele começa o eterno “hoje” da salvação que deve ser continuado pela ação da Igreja. 

Cada momento pode tornar-se um “hoje” propício para a nossa conversão. Saibamos aproveitar o “hoje” que Deus nos concede em prol da nossa salvação. E que a participação em cada Celebração Eucarística, onde nos alimentamos não só do corpo e do sangue do Senhor, mas também da Palavra, lida e explicada, possa nos fazer compreender melhor a Palavra de Deus, Palavra de salvação para o nosso “hoje” concreto de cada dia.

À Virgem Maria, a quem sempre devemos ter como modelo e guia, peçamos que interceda incessantemente por cada um de nós, para que saibamos reconhecer e acolher, em cada dia da nossa vida, a presença de Deus, o Salvador nosso e de toda a humanidade.  Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ

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