Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – V Domingo de Páscoa (Ano A)

Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida

Jo 14,1-12

 

Caros irmãos e irmãs

 

O trecho do Evangelho deste domingo é o primeiro dentre os três discursos de despedida, pronunciados por Jesus durante a Última Ceia, onde procura consolar e animar os apóstolos: “Não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em mim também” (v. 1). Estas palavras nos permitem identificar a situação da comunidade à qual o evangelista se dirige. No primeiro século do cristianismo eram grandes as perseguições e os discípulos de Jesus certamente estavam perturbados, desanimados e desorientados, por isto, estas exortações de ânimo e de esperança dirigidas a eles. 

Em seguida, Jesus anuncia a sua partida para a casa do Pai, isto é, sua morte e ressurreição: “Vou preparar um lugar para vós” (v.2). Essas palavras visam acender nos discípulos a certeza da volta de Jesus, quando estiver preparado também o nosso lugar junto a Ele. Com isto, a morte do cristão torna-se semelhante à morte do Cristo, como vai dizer São Paulo: “Meu desejo é partir e ir estar com Cristo” (Fl 1,23). A Páscoa renova em nós esta fé, revigora em nós a esperança de estar na intimidade com Deus, em Jesus Cristo.  

Também nesta mesma passagem do evangelho Jesus afirma: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (v. 6). É esta a outra razão para que os seus discípulos fiquem em paz: na pessoa de Jesus, na sua vida, morte e ressurreição está o caminho para viver a vida verdadeira. Cristo é o caminho que conduz ao Pai, a verdade que dá significado à existência humana, e a fonte daquela vida que é alegria eterna com todos os Santos no Reino dos céus.

Ao dizer: “Eu sou o caminho”, Jesus quer afirmar que só Ele nos conduz ao Pai. Ele é o Caminho, isto é, não há outro. E ressalta: “Ninguém vai ao Pai senão por mim” (v. 6). Ao se identificar como “caminho”, Jesus retoma uma imagem conhecida dos seus ouvintes.  Todos eles sabiam que para se ir de um lugar a outro, faz-se necessário o uso de uma estrada, isto é, chão para se caminhar.  O Salmo 25,4, diz: “Mostra-me, Senhor, o teu caminho”. Jesus não é apenas alguém que ensina o caminho.  Ele é o próprio Caminho, por onde temos de passar. Jesus torna-se o caminho único que leva ao Pai. Esta é uma grande novidade do Novo Testamento: Jesus é o único acesso das criaturas para Deus (v. 6). É através de Jesus que nós chegamos à comunhão com Deus. Portanto, para os cristãos, para cada um de nós, o Caminho para o Pai é deixar-nos guiar por Jesus, pela sua palavra de Verdade, e acolher o dom da sua Vida. 

A palavra “verdade” é usada aqui no sentido bíblico, que é diferente do sentido comum e atual.  Significa: revelação. Dizendo “Eu sou a Verdade” (v. 6), Jesus quer afirmar que ele é a única revelação do Pai.  Não há outro meio de conhecermos algo sobre Deus e o sobrenatural a não ser por Jesus Cristo.  Ele não é apenas um mestre que ensina a Verdade. Ele é a própria verdade, que devemos conhecer e com a qual devemos nos identificar. Ele não é apenas alguém que promove a vida ou que transmite a vida, Ele é a própria Vida que devemos viver. Também somos chamados a nos associarmos a São Paulo que diz: “Para mim o viver é Cristo” (Fl 2,21). Por conseguinte, só crendo em Cristo, só permanecendo unidos a Ele, os seus discípulos, entre os quais estamos nós também, podemos continuar a sua ação permanente na história.

A fé em Jesus exige que o sigamos quotidianamente nas simples ações que compõem o nosso dia. Santo Agostinho afirma que era necessário que Jesus dissesse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6), porque quando se conhece o caminho, só falta conhecer a meta, e a meta é o Pai (cf. S. AGOSTINHO, Tratactus in Ioh., 69, 2: CCL 36, 500). Portanto, para os cristãos seguir o caminho para o Pai é deixar-se guiar por Jesus, pela sua palavra de Verdade, e acolher o dom da sua Vida. 

O Evangelho nos ensina que a verdadeira liberdade floresce quando nos afastamos do jugo do pecado, que ofusca as nossas percepções e enfraquece a nossa determinação. Deus criou o homem com uma vocação inata para a verdade e, por isso, dotou-o de razão. Todo o ser humano deve perscrutar a verdade e optar por ela quando a encontra, mesmo correndo o risco de enfrentar sacrifícios. A verdadeira liberdade é um dom gratuito de Deus, o fruto da conversão à sua verdade que nos torna livres (cf. Jo 8,32). 

Jesus ainda nos exorta: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8,31). Com efeito, a verdade é um anseio do ser humano, e procurá-la supõe sempre um exercício de liberdade autêntica. Muitos, todavia, preferem os atalhos e procuram evitar essa tarefa. Alguns, como Pôncio Pilatos, ironizam a possibilidade de conhecer a verdade (cf. Jo 18,8), proclamando a incapacidade do homem de alcançá-la ou negando que exista uma verdade para todos.

Esta atitude produz uma transformação no coração, tornando as pessoas frias, vacilantes, distantes dos demais e fechadas em si mesmas. São pessoas que lavam as mãos, como o governador romano, e deixam correr o rio da história sem se comprometer. Quando nos colocamos no “pensamento de Cristo” (cf. Fl 2,5), novos horizontes se abrem. À luz da fé, dentro da comunhão com Cristo, passamos também a ser luz do mundo e sal da terra (cf. Mt 5,13-14).

Tenhamos sempre consciência de que somente Jesus é o caminho que conduz à felicidade eterna, a verdade que satisfaz os desejos mais profundos de cada coração, e a vida que oferece alegria e esperança sempre nova a nós e ao nosso mundo. Não hesitemos em seguir Jesus Cristo, pois somente nele encontramos a verdade sobre Deus. Quem pratica o mal e adere ao pecado, torna-se escravo do pecado e nunca alcançará a liberdade (cf. Jo 8,34). Somente renunciando ao ódio e ao nosso coração endurecido e cego é que seremos livres, e uma vida nova germinará em nós.

Imitemos o Filho de Deus que é o Caminho, não apenas pelos Seus exemplos e ensinamentos, mas também porque Ele se identifica com a Verdade e a Vida. Também devemos ter o compromisso de anunciar o Cristo a todos. Esta é a tarefa principal da Igreja, comunicar a mensagem de Salvação, para que a Palavra de Deus se difunda e o número dos discípulos se multiplique (cf. At 6,7).

Invoquemos a proteção maternal da Virgem Maria para que nos faça abrir o nosso coração ao Cristo Senhor, para que ele entre em nossa vida e nos faça olhar o futuro com esperança.  Que tenhamos sempre consciência de que só Ele é o Caminho que conduz à felicidade que não termina; a Verdade que satisfaz as mais nobres aspirações humanas e a Vida cheia de alegria e paz.  Assim seja.

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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