Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva – XI Domingo do Tempo Comum – Ano B

As parábolas da semente e do grão de mostarda

Mc 4,26-34

 

Meus caros irmãos e irmãs,

A liturgia da palavra deste domingo traz para a nossa reflexão duas breves parábolas contadas por Jesus: a da semente que cresce sozinha e a do grão de mostarda (cf. Mc 4, 26–34). Nestas parábolas temos a exposição de como o Reino de Deus se expande com uma força que não depende do ser humano, mas do próprio Deus. Através dessas imagens, tiradas do mundo da agricultura, o Cristo Senhor quer ilustrar as razões da nossa esperança e do nosso compromisso na história.

A primeira parábola ressalta: “O Reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra. Ele vai dormir e acorda, e a semente vai germinando e crescendo, mas ele não sabe como isso acontece. A terra, por si mesma, produz o fruto: primeiro aparecem as folhas, depois vem a espiga e, por fim, os grãos que enchem a espiga. Quando as espigas estão maduras, o homem mete logo a foice, porque o tempo da colheita chegou” (v. 27-29).

Esta parábola tem uma estrutura bastante simples e evoca o mistério da criação e da redenção, da obra fecunda de Deus. Ele é o Senhor do Reino, o homem é o seu colaborador humilde que contempla e rejubila com a obra criadora divina e dela espera pacientemente os frutos. O texto mostra que o agricultor semeia com a certeza de que o seu trabalho não será infecundo. Ele confia na força da semente e na fertilidade do terreno.  

Após ser semeada, a semente nasce e cresce independente da ação do agricultor. Deste modo, podemos lembrar da afirmação de São Paulo: “Eu plantei, Apolo regou; mas era Deus quem fazia crescer. Aquele que planta nada é; aquele que rega nada é; mas importa somente Deus, que dá o crescimento” (cf. 1Cor 3, 6-7). No contexto da parábola, Jesus indica que o Reino tem uma força intrínseca que independe dos trabalhadores. O objetivo da parábola é também o de chamar a atenção dos ouvintes para o Reino de Deus e é um recurso retórico que faz parte do método utilizado por Jesus na evangelização. A semente que germina e cresce por si mesma exprime a ação de Deus que comunica amor e vida a todos.

O Reino de Deus é comparado não apenas ao trabalho do camponês ou à semente que é lançada à terra, mas deve-se observar todo o modo de crescimento da planta. Jesus quer mostrar que o Reino de Deus é tão misterioso como este processo de desenvolvimento de uma semente que brota e se torna uma planta grandiosa.  Para o homem antigo este processo constituía um milagre de Deus. Depois de lançada a semente, não se faz mais nada, senão esperar com paciência o tempo da colheita.

Na linguagem evangélica, a semente é também símbolo da Palavra de Deus, cuja fecundidade é recordada por esta parábola. Do mesmo modo como a semente humilde se desenvolve na terra, também a Palavra age com o poder de Deus no coração de quem a ouve. Deus confiou a sua Palavra à nossa terra, ou seja, a cada um de nós, com a nossa humanidade concreta. Podemos ser confiantes, porque a Palavra de Deus é palavra criadora (cf. Gn 1,1ss). A criação nasce do “Logos” e esta feliz certeza é apresentada nos Salmos: “Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, pelo sopro da sua boca todos os seus exércitos” (Sl 33,6); e ainda: “Ele falou e as coisas existiram. Ele mandou e as coisas subsistiram” (Sl 33,9).  E o Evangelista São João nos ensina que o “Logos” indica originariamente o Verbo eterno, ou seja, o Filho unigênito, gerado pelo Pai antes de todos os séculos e consubstancial a Ele: o Verbo estava junto de Deus, o Verbo era Deus. Mas este mesmo Verbo, afirma São João, “fez-se carne” (Jo 1,14) e veio habitar entre nós; por isso, Jesus Cristo, nascido da Virgem Maria, é realmente o Verbo de Deus, ou seja, a Palavra de Deus, que se fez consubstancial a nós (cf. BENTO XVI, Exortação Apostólica “Verbum Domini”, n. 7). 

Esta Palavra, sendo acolhida em nosso coração, certamente dará os seus frutos, porque o próprio Deus a faz germinar e crescer. E nós, chamados à comunhão com Deus e entre nós, devemos ser anunciadores deste dom.  A Palavra de Deus, ao ser anunciada, penetra na mente e no coração, e quem a escuta nunca mais consegue permanecer o mesmo.  É inevitável que aconteça uma transformação interior. 

Na segunda parábola Jesus conta: “O Reino de Deus é como um grão de mostarda que, ao ser semeado na terra, é a menor de todas as sementes. Quando é semeado, cresce e se torna maior do que todas as hortaliças, e estende ramos tão grandes, que os pássaros do céu podem abrigar-se à sua sombra” (v. 32-33).  São palavras que fazem referência ao Livro do profeta Ezequiel, do qual é tirada a primeira leitura (cf. Ez 17,22-24). Os dois textos aludem ao desenvolvimento do Reino de Deus na história do mundo.

Nesta segunda parábola o texto menciona uma semente específica, o grão de mostarda, considerada a menor de todas as sementes. Porém, embora seja pequena, está cheia de vida, e dela nasce um rebento capaz de romper o terreno, de sair à luz do sol e de crescer até se tornar “a maior que todas as hortaliças” (cf. Mc 4,32): a debilidade é a força da semente, o romper-se é o seu poder. E assim é o Reino de Deus: uma realidade humanamente pequena, formada por quem não confia na própria força, mas na força da misericórdia de Deus.  A semente germina e cresce, porque é a bondade de Deus que a faz crescer.

A mostarda é uma planta da família da couve, de grandes folhas, flores amarelas e pequenas sementes. Existem duas espécies principais de mostarda: a branca e a preta. A branca chega a ultrapassar 1 metro de altura e a preta pode chegar de 3 a 4 metros, sendo esta uma espécie de mostarda comum nas margens do lago de Tiberíades e seu tronco se torna lenhoso. Por isso, os árabes têm o costume de falar em árvores de mostarda.

As sementes de mostarda, na época, eram vistas como modelo de algo insignificante. Mas ao utilizar este exemplo, Jesus põe em destaque a simplicidade de qualquer realidade que começa em comparação com a grandeza dos resultados. A inexpressiva semente que se transforma em uma árvore acolhedora dos pássaros exprime que a fé dos discípulos, desprezível para muitos, pode gerar o mundo novo de fraternidade e paz.

O acento destas duas parábolas está justamente na força do contraste.  Nelas, o Reino de Deus representa um “crescimento” e um “contraste”: o crescimento que se verifica graças a um dinamismo da própria semente e o contraste que existe entre a pequenez da semente e a grandeza daquilo que ela produz. A mensagem é clara: para que ocorra o seu crescimento faz-se necessário a nossa colaboração, o Reino de Deus é antes de tudo dom do próprio Senhor para nós.

Uma outra mensagem que podemos tirar dessas parábolas está no fato de sabermos esperar o tempo de Deus, ter paciência, manter a calma e acompanhar o desenvolvimento da semente que, sozinha, germina, cresce e produz frutos abundantes.  Para sermos discípulos de Cristo é preciso ter a paciência de uma semente que dia e noite cresce, brota, desabrocha, amadurece em um processo longo, silencioso e quase anônimo. 

Obtemos ainda destas duas parábolas um ensinamento importante: O Reino de Deus requer a nossa colaboração, mas é sobretudo iniciativa e dom do Senhor. A nossa obra frágil, aparentemente muito pequena face à complexidade dos problemas do mundo, se for inserida em Deus, terá êxitos. Possamos semear este grão de mostarda no campo do nosso coração, pois se assim fizermos, será ele um jardim bem irrigado, um manancial de águas que nunca param de correr (cf. Is 58,11). Jesus Cristo é também este grão de mostarda que cai na terra e se multiplica para nós. Saibamos ser a terra boa, capaz de acolher e sermos anunciadores da sua mensagem salvadora e que ela possa produzir bons e saborosos frutos de santidade, unidade e paz e que sejam esses frutos recolhidos no celeiro do Reino dos Céus. Assim seja.

 

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ

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