Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – II Domingo do Advento

Preparai o caminho do Senhor

Mc 1,1-8

 

Caros irmãos e irmãs,

Neste domingo temos diante de nossos olhos a narração do Evangelista São Marcos que traz para a nossa reflexão a pregação de João Batista no deserto. Neste tempo de Advento, de preparação para a celebração do Natal do Senhor, a Igreja nos apresenta uma proposta: preparar a vinda de Jesus exige de nós uma transformação radical da nossa vida, dos nossos valores, da nossa mentalidade. Trata-se de um veemente apelo a cada pessoa: a conversão. Este é o brado feito por João Batista ao longo de toda a sua pregação.

A conversão absoluta consiste em uma mudança radical de mentalidade e atitudes interiores que se traduz numa nova conduta moral, segundo o estado e profissão de cada um (cf. Lc 3,10ss).  O motivo e a finalidade da conversão que João Batista pede, tem como objetivo preparar o caminho para o Senhor que vem; para isso, propõe ele o batismo como sinal dessa conversão e do perdão dos pecados.

A conversão é a grande palavra da pregação de João Batista, continuada depois pela Igreja.  Converter é sair do caminho errado e voltar ao caminho certo.  E era esse o sentido do batismo promovido por João Batista.  Não era ainda o batismo como sacramento da Nova Lei, que Cristo ia marcar como sinal de entrada na sua igreja.  Era um batismo de penitência, isto, é um rito que significava a mudança de vida, mediante as disposições interiores daquele que dele participava.  São João Batista deixou bem claro: “Depois de mim vem um que é mais forte do que eu e que não sou digno de me inclinar para lhe desatar as correias das suas sandálias.  Eu vos batizei com água, mas ele vos batizará com o Espírito Santo” (Mc 1,7s). 

O judaísmo conhecia ritos diversos de imersão na água. Era, inclusive, um rito usado na integração dos prosélitos, ou seja, os pagãos que aderiam ao judaísmo, na comunidade do Povo de Deus. Na perspectiva de João, provavelmente, este batismo é um rito de iniciação à comunidade messiânica: quem aceitava este batismo passava a viver uma vida nova e aceitava integrar a comunidade do Messias.  São João Batista exorta a uma mudança interior a partir do reconhecimento e da confissão do próprio pecado.

A pregação de João é feita no deserto. O deserto é, no contexto da catequese judaica, o lugar onde o Povo de Deus realizou uma caminhada de purificação e de conversão.  Esta pregação lembrava aos israelitas a necessidade de voltar ao deserto e de percorrer um caminho semelhante àquele que os antepassados tinham percorrido. O deserto de onde João Batista surge e onde Jesus começará sua ministério (cf. Mc 1,4.12), é, antes de tudo, lugar da vocação e do encontro com Deus.  É no Deserto que Davi se prepara para a missão (cf. 1Sm 23,14) e que Elias, desfalecido de desânimo e cansaço é definitivamente robustecido (cf. 1Rs 19,4).  Também através de João Batista surge esta voz a clamar no deserto, a preparar a vinda de Jesus que é o advento do próprio Deus em meio a seu povo.

O estilo de vida de João:  sóbrio, desprendido, austero e simples; é um convite claro à renúncia aos valores do mundo. É a aplicação prática dessa austeridade de vida e dessa renovação de atitudes, de comportamentos e de mentalidade que João pede aos seus conterrâneos. Seu testemunho corrobora a mensagem que ele apresenta. Além disso, o estilo de vida de João evoca o profeta Elias que também  se vestia de peles e trazia um cinto de couro em volta dos rins (cf. 2Rs 1,8).

O profeta Elias era, no universo da esperança judaica, o profeta elevado para junto de Deus e destinado a aparecer de novo no meio dos homens para anunciar a chegada iminente da era messiânica (cf. Ml 3,22-24). A identificação física de João com Elias significa que a era messiânica chegou e que João é o mensageiro esperado, cuja mensagem prepara a vinda do Messias Salvador. Seu estilo deveria chamar todos os cristãos a escolher a sobriedade como modelo de vida, especialmente neste tempo em que nos preparamos para o Natal do Senhor, pois Ele mesmo, sendo rico, se fez pobre por nós, a fim de nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2Cor 8,9).

João Batista se apresenta no deserto da Judeia e, fazendo eco de um antigo oráculo de Isaías, brada: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas” (Is 40,3). Esta mensagem atravessa os séculos e chega até nós, repleta de extraordinária atualidade. Aquele que saltou de alegria no ventre de sua mãe, diante da voz da jovem de Nazaré, nos rompe, com sua voz, a surdez do coração e nos força a abrir os olhos para ver Aquele que sempre se aproxima.

A mensagem de conversão que João Batista proclamava para preparar o caminho ao Senhor encontra eco na exortação da segunda leitura: Enquanto estão esperando e apressando a chegada do dia do Senhor, devemos ser perfeitos na santidade de vida e na piedade para que Deus os encontre em paz com Ele (cf. 2Pd 3,8-14).  É certo que o “o dia do Senhor” virá, e virá inesperadamente; será para cada homem uma surpresa.  Por isso, o problema da conversão, o problema do encontro e de estar com Deus é questão de cada dia; pois cada dia pode ser para cada um o “dia do Senhor”.

Este empenho de conversão funda-se na certeza de que a fidelidade de Deus nunca enfraquece, não obstante tudo o que podemos encontrar de negativo em nós e em nosso redor. Eis o motivo pelo qual o Advento é tempo de expectativa e de esperança. A Igreja nos faz lembrar neste domingo a promessa confortadora do profeta Isaías: “Todos os homens verão a salvação de Deus” (cf. Is 40, 5).

Nós também devemos preparar o nosso coração, o nosso interior para a chegada do Senhor.  O tempo do Advento é composto por quatro semanas que a Igreja nos concede como preparação para a chegada do Natal. O texto evangélico nos exorta: “Preparai o caminho do Senhor” (Mc 1,2). Mais uma vez ressoa com vigor este convite. Acolhamos este apelo. Um brado profético que continua a repercutir-se nos séculos. Também o sentimos hoje, enquanto a humanidade prossegue o seu caminho na história.  A todos nós João Batista continua a indicar o caminho que é preciso percorrer.

A aproximação do Natal nos estimula a uma atitude mais vigilante de espera do Senhor que vem, enquanto a liturgia de hoje nos apresenta João Batista como um exemplo a imitar. Precisamos limpar o caminho.  E um modo concreto para a concretização desta conversão que o texto evangélico prescreve, pode ser também o Sacramento da Reconciliação, para que o pecado seja eliminado e devidamente expiado.  Só assim estaremos dando espaço para o Senhor em nossa vida e permitir que Ele possa nascer no íntimo da nossa vida. 

Neste tempo de advento, lembremos também da Virgem Maria, aquela que é bem-aventurada porque acreditou na mensagem do Senhor. Em Maria, preservada de qualquer pecado e repleta de graça, Deus encontrou a terra fértil, na qual depositou a semente da nova humanidade. A ela, preservada da culpa e repleta da graça divina, colocamos a nossa esperança.  Peçamos a sua intercessão por cada um de nós, para que possamos preparar com dignidade os caminhos do Senhor e a endireitar as suas veredas a fim de que, um dia, possamos contemplar a salvação que vem de Deus. Assim seja.

 

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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