Homilia de D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB – III Domingo de Páscoa – Ano B

Jesus apareceu no meio deles

Lc 24, 35-48

Meus caros irmãos,

Neste terceiro domingo do tempo pascal, a liturgia da Palavra traz mais uma vez ao centro da nossa atenção o mistério de Cristo ressuscitado. O episódio que o evangelista São Lucas nos relata no evangelho nos faz lançar o nosso olhar para Jerusalém, pouco depois da ressurreição. Os onze discípulos estão reunidos e já conhecem uma aparição de Jesus a Pedro (cf. Lc 24,34), bem como o relato do encontro de Jesus ressuscitado com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,35). Apesar de tudo, o ambiente é de medo, de perturbação e de dúvida, que aparece frequentemente nos evangelhos. Jesus ressuscitado não é reconhecido com facilidade. Quem consegue vê-lo sempre parece ter dúvidas. Maria Madalena o confunde com um jardineiro; os discípulos de Emaús pensam tratar-se de um viajante; os apóstolos o tomam por um fantasma; Pedro, no lago de Tiberíades, o confunde com um companheiro de pescaria. As dúvidas estão presentes em todas as aparições de Jesus após a sua ressurreição. Todos os relatos das aparições de Jesus falam das dificuldades que os discípulos sentiram em acreditar e em reconhecer Jesus após a ressurreição (cf. Mt 28,17; Mc 16,11.14; Lc 24,11.13-32.37-38.41; Jo 20,11-18.24-29; 21,1-8).

O medo e a insegurança também aparecem muitas vezes na Sagrada Escritura e, normalmente, no âmbito de uma experiência relacionada com o universo de Deus, como aconteceu com Moisés, no deserto do Sinai, quando um anjo lhe aparece na chama de uma sarça ardente (cf. At 7,30); o mesmo ocorre com Zacarias no Templo (cf. Lc 1,12) e com Maria, no momento da anunciação do anjo (cf. Lc 1,29). Tanto Zacarias como a Virgem de Nazaré ficam perturbados quando recebem o anúncio do nascimento de um filho. Também os apóstolos Pedro, Tiago e João, no momento da Transfiguração de Jesus no Monte Tabor, ficam movidos pelo medo, motivados pela experiência sobrenatural pela qual passaram. A mesma cena volta a repetir quando eles encontram com o Cristo Ressuscitado, que aparece para eles.

Na página evangélica, São Lucas narra que os dois discípulos de Emaús, regressando a Jerusalém, contaram aos Onze como o tinham reconhecido “ao partir do pão” (v. 35). E enquanto eles narravam a experiência do encontro que tiveram com o Senhor, Ele “esteve pessoalmente no meio deles” (v. 36). Mais uma vez, como tinha acontecido com os dois discípulos de Emaús, enquanto está à mesa e come, Cristo ressuscitado se manifesta, ajudando-os a compreender as Escrituras e a reler os acontecimentos da salvação à luz da Páscoa.

Visto que a ressurreição não cancela os sinais da crucifixão, Jesus mostra aos Apóstolos as mãos e os pés. E para os convencer, pede até algo para comer. Então os discípulos “Deram-lhe um pedaço de peixe assado. Ele o tomou e comeu diante deles.” (v. 42-43). Este gesto de tocar e comer nos ensina que o encontro dos discípulos com Jesus ressuscitado foi um fato real e palpável. Graças a estes sinais os discípulos superaram a dúvida inicial e se abriram ao dom da fé; e esta fé permitiu que eles compreendessem o que estava escrito sobre Cristo “na lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (v. 44).

É surpreendente que enquanto o grupo estava ouvindo o relato dos dois discípulos de Emaús e comenta a aparição de Jesus ressuscitado ao apóstolo Pedro, justamente quando Cristo aparece no meio deles, os discípulos sentem medo e resistem a crer no que seus olhos estão vendo. Mas eles, depois de um processo gradual de fé e com base em sua experiência e contato pessoal com o Senhor ressuscitado, acabaram por reconhecer que era o próprio Jesus de Nazaré, o mestre, que morreu e agora está vivo porque ressuscitou.

Os Apóstolos hesitam em crer na Ressurreição de Cristo. O testemunho de Maria Madalena e das outras mulheres, o de Pedro e o dos dois discípulos de Emaús, eram mais que suficientes, pois a tudo isso precedia a profecia da ressurreição, feita por Cristo, para que cressem. Há certamente, nesta conduta dos apóstolos, um grande temor, um medo de serem enganados. Ao mesmo tempo surge uma manifestação de timidez. Jesus oferece aos seus discípulos uma prova definitiva. Estando reunidos no Cenáculo, aparece a eles, para que, vendo-o, estejam convencidos da realidade de sua ressurreição.

Nas aparições temos uma catequese de Jesus para os seus discípulos, que se manifesta no gesto de mostrar as suas mãos e os seus pés com as chagas recentes de sua cruz, tocar, palpar, e até tomar parte na refeição deles, fato que não deixa de ser um sinal eucarístico, onde Jesus une o pão com a palavra, ao explicar algumas passagens da Sagrada Escritura que se referiam a Ele próprio. Assim completa o “sacramento” pascal da fé que se concretiza com a sua aparição, atestada por Maria Madalena, Pedro e pelos demais apóstolos.

O trecho do evangelho termina com as palavras: “Vós sereis testemunhas de tudo isso” (v. 48). Era uma difícil missão que Jesus lhes designava. Eles viviam ainda escondidos após a Sua morte, temerosos de serem reconhecidos pelas autoridades como discípulos do Senhor; e eis que agora Jesus lhes pede que saiam para proclamar que Ele ressuscitou dos mortos ao terceiro dia e para pregar em Seu nome a todos os povos a sua mensagem de conversão, de perdão e paz.

Os apóstolos serão testemunhas de toda esta verdade e ensinamento. Mas serão preparados com a grande força renovadora e fortalecedora de Pentecostes. Receberão o Espírito Santo. Neste tempo pascal nós também deparamos com um repetido convite de Jesus a vencer a incredulidade e a crer na sua ressurreição, porque somos chamados a também testemunhar precisamente este acontecimento extraordinário. A ressurreição de Cristo é o acontecimento central do cristianismo, verdade fundamental que se deve reafirmar com vigor em todos os tempos.

Na segunda leitura, o Apóstolo São João lembra que para conhecer Jesus Cristo, precisamos fazer a experiência do Amor: “Quem diz que conhece a Deus, mas não cumpre os seus mandamentos, é mentiroso, e a Verdade não está nele” (1Jo 2,4). E continua: “Por outro lado, o amor de Deus se realiza de fato em quem observa a Palavra de Deus. É assim que reconhecemos que estamos com ele” (1Jo 2,5). Essas narrativas nos dizem respeito, pois temos a possibilidade de reencontrar o Ressuscitado e a obrigação de testemunhar para que outros possam também encontrá-lo. E é pela vivência do amor que nós faremos que os outros o reconheçam.

Jesus nos garante a sua presença real entre nós, por meio da Palavra e da Eucaristia. Por conseguinte, assim como os discípulos de Emaús reconheceram Jesus ao partir o pão (cf. Lc 24, 35), também nós encontramos o Senhor na Celebração eucarística. Explica, a este propósito, Santo Tomás de Aquino: “É necessário reconhecer, segundo a fé católica, que Cristo está inteiramente presente neste Sacramento…” (cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, III, q. 76, a. 1). Santo Tomás ensina ainda que Cristo está presente nesse sacramento de dois modos: por virtude do sacramento e por natural concomitância. Por virtude do sacramento, sob as espécies ou acidentes de pão, está o corpo de Cristo, e, sob as espécies ou acidentes de vinho, está o sangue de Cristo. Pois Cristo disse: “Isto é meu Corpo”, “Este é meu Sangue”. Por natural concomitância, está na hóstia consagrada o que realmente está unido ao corpo de Cristo, isto é, seu Sangue, Alma e Divindade. E, ao Sangue, está unido, por natural concomitância, seu Corpo, Alma e Divindade. (cf. S. TOMÁS, Suma Teológica, III, q. 76, a. 1). E continua: “Deve crer-se que Cristo está todo inteiro, em cada uma das espécies do sacramento, se bem que de modo diverso (S. TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, III, q. 76, a. 2). Sob as espécies de pão, está o Corpo por virtude do sacramento, e o Sangue por real concomitância como se disse da Alma e da Divindade. Sob as espécies de vinho, está o Sangue de Cristo por virtude do sacramento, e o Corpo por real concomitância, como a Alma e a Divindade, já que agora, atualmente, não está o Sangue separado do seu Corpo, como esteve no tempo de sua Paixão e da morte. E no artigo 3 dessa mesma Questão 76, São Tomás explica que: “A substância do Corpo de Cristo está no sacramento por virtude do próprio sacramento, e sua quantidade dimensiva por real concomitância; daqui que o Corpo de Cristo está no sacramento de modo como a substância está nas dimensões, não do modo como está a quantidade dimensiva dos corpos que se ajusta à quantidade dimensiva do lugar.

É evidente que toda a natureza da substância está em cada parte das dimensões que a encerram, como em cada parte do ar está toda a sua natureza, e, em cada parte do pão, toda a natureza do pão, quer estejam o pão e o ar divididos, de fato, em partes, quer não estejam, de fato, divididos. Daqui que seja coisa clara que Cristo está todo inteiro em cada parte da espécie de pão, não só quando este é partido, mas também quando a hóstia permanece inteira” São Tomás, Suma Teológica, III, Q. 76, a. 3).

A páscoa traz também a nós uma mensagem de paz. “A paz esteja convosco” (v. 36), é o que mais uma vez repete Jesus. Prestes a se entregar pela nossa redenção, Jesus Cristo deixa aos seus discípulos a paz. Depois de sua morte, é novamente a paz que ele oferece, duradoura e eficaz. Jesus nos convida a acolher o dom da sua paz, mas também a sermos construtores da cultura da paz onde estivermos.

Que a Virgem Maria possa nos amparar com a sua intercessão, para que possamos responder com a nossa vida a proposta que Jesus nos fez, de sermos testemunhas da sua ressurreição, propagando a todos os dons pascais da alegria e da paz. Assim seja.

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