Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – III Domingo do Advento

O testemunho de João Batista

Caros irmãos e irmãs,

Neste terceiro domingo do tempo do Advento, chamado de “domingo gaudete“, palavra latina que pode ser traduzida como: “alegrai-vos”, tem como referência antífona de entrada da Missa desse dia, onde retoma uma expressão de São Paulo: “Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito-vos: alegrai-vos!” E o Apóstolo acrescenta imediatamente a motivação para esta alegria: “O Senhor está próximo!” (Fl 4, 4-5). Os cristãos são exortados à alegria porque a vinda do Senhor já se aproxima. 

E neste domingo, somos uma vez mais convidados a preparar o caminho para o Senhor que vem.  A liturgia nos propõe hoje uma atitude interior para receber o Cristo neste Natal: a alegria. O Advento é precisamente um tempo de expectativa, de esperança e de preparação para a vinda do Senhor. No texto evangélico aparece novamente a figura e a pregação de João Batista (cf. Jo 1,6-8.19-28). João retirou-se no deserto para levar uma vida austera e para convidar as pessoas à conversão, tornando-se uma voz e uma testemunha da Luz.

João Batista dedicou toda a sua vida para anunciar a vinda do Messias. Por ocasião da visitação de Maria a Isabel, ainda no ventre de sua mãe, estremeceu de alegria ao testemunhar a presença do Salvador. Conforme nos relata o texto evangélico, alguns do grupo dos fariseus queriam saber detalhes sobre João. Estavam eles preocupados, pois não entendiam como alguém poderia batizar, pregar o jejum, a penitência e, até mesmo a conversão, sem títulos. E perguntaram a João: “Se não és o Messias, nem Elias, ou algum profeta, quem és afinal?”.

João, sem se exaltar, responde a eles com humildade: “Sou a voz que grita no deserto: aplainai o caminho do Senhor…” (v. 23). E ainda completa: “Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias” (v. 27).  Uma vez cumprida sua missão, ele desaparece do cenário e deixa Jesus agir. A grande prova que João tinha consciência da divindade de Jesus está nesta frase que, mais tarde, disse aos seus discípulos: “É preciso que Ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30). E, quando Jesus começa o seu ministério, João exclama: “Esta é a minha alegria! E tornou-se completa!” (Jo 3,29).

Apesar de sua humildade, demonstrava uma personalidade vigorosa, clara e firme. Preparou com dedicação o terreno para Jesus lançar as sementes do Reino.  E fez questão de ressaltar a grande diferença entre o batismo de Jesus e o batismo por ele administrado: “Eu batizo com água, Ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo” (v. 26). O batismo de João não perdoava os pecados, mas levava ao arrependimento, o sentimento básico para obter de Deus o perdão. Era um rito que simbolizava a renovação interior, a mais adequada preparação para receber o Messias e o seu verdadeiro Batismo.

Conforme frisa João Batista, Jesus “batizará no Espírito Santo e no fogo” (Mt 3,11; Lc 3,16). Enquanto a água significa o nascimento e a fecundidade da vida nova dada no Espírito Santo, o fogo simboliza a energia transformadora dos atos.  O profeta Elias, que “surgiu como um fogo, cuja palavra queimava como uma tocha” (Eclo 48,1), por sua oração atrai o fogo do céu sobre o sacrifício do monte Carmelo, figura do fogo do Espírito Santo que transforma o que toca, do qual Jesus dirá posteriormente: “Vim trazer fogo à terra, e quanto desejaria que já estivesse acesso” (Lc 12,49). E sob a forma de línguas de fogo, o Espírito Santo pousa sobre os discípulos na manhã de Pentecostes e os enche de Si. A tradição espiritual manterá este simbolismo do fogo como um dos mais expressivos sinais da ação do Espírito Santo (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 696).

Pelo sacramento do Batismo ficamos unidos de modo profundo e para sempre com Jesus, imersos no mistério da sua morte e ressurreição, para renascermos de novo. Pelo Batismo passamos a ser filhos de Deus, participantes da mesma relação filial que Jesus tem com Deus Pai. Por isto, podemos dizer: “Pai nosso”, como pronunciamos na oração a Ele dirigida.  Pelo batismo, somos também chamados à alegria de sermos cristãos, de pertencermos à Igreja de Cristo. 

Trata-se da alegria de nos reconhecermos como filhos de Deus, de estarmos confiados às suas mãos, de sermos acolhidos por Ele. Esta alegria guia o caminho de cada cristão. O caminho da fé, que tem início com o Sacramento do Batismo, funda-se no desejo de conhecer Cristo e o comunicar aos outros.  E para sermos fortalecidos na fé, recebemos no Batismo o Espírito Santo, cujo primeiro fruto é a alegria. O Livro dos Atos dos Apóstolos nos diz que um eunuco, após receber o batismo, “seguiu o seu caminho cheio de alegria” (At 8,39); e o carcereiro “entregou-se, com a família, à alegria de ter acreditado em Deus” (At 16,34). E nós, que também recebemos o batismo, somos chamados a entrar no âmbito desta alegria.

São Paulo nos diz que a paz de Deus é algo que supera toda inteligência (cf. Fl 4,7). A mesma relação vale para a alegria. Existe uma certa reciprocidade entre a paz e a alegria; pois quem é portador da alegria do Espírito Santo, também é transmissor da paz, da serenidade e da harmonia. Quem encontrou Cristo na própria vida, sente no coração uma serenidade e uma alegria que ninguém e nenhuma situação podem tirar. Santo Agostinho compreendeu bem isto, pois, na sua busca da verdade, da paz, da alegria, depois de ter procurado em vão em múltiplas situações, chega a conclusão que coração do homem está inquieto, não encontra tranqüilidade e paz, enquanto não descansar em Deus (cf. S. AGOSTINHO, Confissões, I, 1). 

Estejamos alegres, saibamos também transmitir esta alegria a todos aqueles que conosco convivem, porque o Senhor está próximo, muito em breve celebraremos o nascimento do nosso Salvador. Que esta alegria penetre todos os âmbitos da nossa existência. Ao lado da vigilância, da oração e da caridade, o Advento nos convida ao júbilo e à alegria. A própria mensagem e a pregação de Cristo é fonte de alegria, pois Ele mesmo disse: “Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa” (Jo 15,11). E o próprio Cristo Jesus promete aos seus discípulos: “Vós haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há de converter-se em alegria” (Jo 16,20).

Avancemos, portanto, com espírito alegre e generoso para o Natal. São José e Nossa Senhora são testemunhas silenciosas de um mistério sublime. Eles nos convidam a velar e a rezar para receber o Salvador divino, que vem trazer ao mundo a alegria do Natal.  

Volvemos, por fim, o nosso olhar para Maria, invocada pelos cristãos como a “causa da nossa alegria”, para que ela interceda por cada um de nós e nos conceda a alegria que vem de Deus e que ninguém nos poderá tirar.  Que ela nos faça chegar a Belém, para encontrar o Menino que nasceu para nós, para a salvação e a felicidade de todos.

Façamos nossos os sentimentos de Maria, que esperou o Redentor na oração e no silêncio e lhe preparou com cuidado o nascimento em Belém. Foi ela a primeira a receber o convite do anjo Gabriel à alegria: “Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está contigo” (Lc 1,28). Que Maria nos sustente neste programa de vida cristã, sem esquecer que a vocação de cada fiel é testemunhar a alegria a todos, pois, com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. Assim seja. 

 

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Mosteiro de São Bento/RJ

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