Homilia do D. Anselmo Chagas de Paiva – IV Domingo do Advento (Ano B)

IV DOMINGO DO ADVENTO – B  –  A anunciação do anjo a Maria

Lc 1,26-38

Caros irmãos e irmãs,

Já está próximo o Natal do Senhor e a liturgia da Palavra nos prepara para este momento e convida a meditar a narração do anúncio do Anjo a Maria. O anjo Gabriel revela à Virgem Maria a vontade do Senhor, que Ela se torne Mãe do seu Filho unigênito: “Eis que conceberás e darás à luz um filho, e que lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo!” (Lc 1,31-32).

O texto evangélico começa dizendo que o anjo Gabriel “foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré” (Lc 1,26). Os moradores daquela região eram pagãos, exceção feita a uns poucos israelitas. Nazaré era uma cidade tão insignificante que não é citada nem uma vez no Antigo Testamento. No entanto, ali Cristo seria concebido. Mais tarde Bartolomeu antes de se tornar apóstolo, indagará a Filipe que lhe dizia ter encontrado o Messias, Jesus: “Pode vir alguma coisa boa de Nazaré da Galileia”? (Jo 1,47).

Havia de fato um enorme preconceito contra os galileus. No entanto, foi na pequena Nazaré, uma aldeia simples, ignorada e sem importância no cenário político da época e à margem dos caminhos de Deus e da salvação, o lugar em que ocorreria a concepção de Jesus.  Nazaré teve a honra de ser o lugar no qual o Verbo de Deus se encarnou. Na pequena cidade de Belém, Jesus nasceria; ao passo que em Jerusalém, a capital, seria condenado, crucificado e morto na cruz.

O relato evangélico continua e identifica Maria como “uma virgem prometida em casamento a um homem chamado José” (Lc 1,27). O casamento hebraico considerava o compromisso matrimonial em duas etapas: havia uma primeira fase, na qual os noivos se prometiam um ao outro: os “esponsais”; só numa segunda fase surgia o compromisso definitivo, a cerimônia do matrimônio. Entre os “esponsais” e o rito do matrimônio, passava um tempo mais ou menos longo, durante o qual qualquer uma das partes podia voltar atrás, ainda que sofrendo alguma penalidade.

Durante os “esponsais”, os noivos não viviam em comum; mas o compromisso que os dois assumiam tinha já um caráter estável, de tal forma que, se surgisse um filho, este era considerado filho legítimo de ambos. A Lei de Moisés considerava a infidelidade da “prometida” como uma ofensa semelhante à infidelidade da esposa (cf. Dt 22,23-27). E a penalidade seria a morte por apedrejamento. José e Maria estavam, portanto, na situação de “prometidos”, pois ainda não tinham celebrado o matrimônio, mas já tinham celebrado os “esponsais”.

Dentro deste contexto, ocorre o anúncio do anjo a Maria, e a primeira palavra usada pelo anjo no momento da anunciação é “chaire”, uma expressão de origem grega, que significa “rejubila, alegra-te”.  Normalmente a saudação entre os judeus era “Shalom”, que pode ser traduzida como “paz”, enquanto a saudação no mundo grego era “Chaire”, ou seja, “alegra-te”. É de se admirar que o anjo, ao entrar na casa de Maria, a cumprimente com a saudação dos gregos. Com isto, podemos compreender que com o início do Novo Testamento, a que se referia esta página do Evangelista São Lucas, teve lugar também a abertura para a salvação, à universalidade do Povo de Deus, que incluía não só o povo hebreu, mas também o mundo na sua totalidade, todos os povos. Nesta saudação grega do anjo manifesta-se a nova universalidade do Reino do verdadeiro Filho de Davi (cf. BENTO PP XVI, A infância de Jesus, São Paulo, 2012, p. 30-31).

Usando esta saudação “alegra-te”, podemos dizer que o mensageiro celeste retoma uma expressão já presente no Antigo Testamento, presente no Livro do profeta Sofonias. O profeta Sofonias, inspirado por Deus, diz a Israel: “Alegra-te, filha de Sião; o Senhor está contigo e acolhe-te na sua morada” (Sf 3,16). Com isto, o evangelista São Lucas quer dizer que, no Filho de Maria, se realizaram todas as profecias: a virgem concebeu, como anunciou o profeta Isaías (cf. Is 7,14) e Deus se fez presente como Salvador do seu povo em Maria, identificada como filha de Sion, da qual falou o profeta Sofonias.  E pelo Canto do Magnificat, percebemos que Maria reconhece ser a “filha de Sião”, de que o profeta falou, e, portanto, o Senhor tem uma intenção especial para ela, pois foi chamada para ser a mãe do Salvador, a morada de Deus por excelência. Maria é o lugar por excelência do cumprimento das profecias divinas. É nela que a Palavra de Deus se cumpre no sentido mais pleno.

Com este diálogo do anjo Gabriel com Maria, começa realmente o Novo Testamento. Portanto, podemos dizer que a primeira palavra do Novo Testamento é um convite à alegria.  E esta é a grande alegria que o cristianismo anuncia.  Com o convite à alegria tem início um tempo novo.  Esta alegria que a humanidade recebeu, não pode conservá-la somente para si; a alegria deve ser sempre compartilhada, deve ser comunicada. Maria foi imediatamente transmitir a sua alegria à sua prima Isabel. Também nós somos chamados a anunciar a alegria. Este é o verdadeiro compromisso desse tempo litúrgico: levar a alegria aos outros. O verdadeiro presente de Natal é a alegria. Nós podemos transmitir esta alegria de modo simples: com um sorriso, com um bom gesto, com uma pequena ajuda, um perdão.

Na sequência, ao ouvir as palavras do arcanjo Gabriel, Maria ficou a pensar no significado da saudação que lhe havia sido dirigida (cf. Lc 1,29; mas logo em seguida, o anjo dirá: “Não tenhas medo, Maria!” (v. 30). Maria tinha motivo para ter medo, além das circunstâncias legais da época, era grande o peso de carregar o fardo do mundo sobre si mesma, ser a mãe do Rei do Universo, ser a mãe do Filho de Deus! Um peso acima das forças de um ser humano! Mas o anjo tranquiliza Maria dizendo: “Não tenhas medo!” (v. 30).  Com esta expressão do anjo Gabriel também nós recebemos uma valiosa lição: Não precisamos ter medo de receber Jesus neste Natal e de testemunhá-lo a todos.

Neste trecho evangélico, é também significativa a resposta de Maria ao anjo, concluindo o diálogo: “Eis aqui a Serva do Senhor. Faça-se em mim, segundo a tua palavra” (v. 38).  Maria diz “sim” àquela vontade divina e, com isto, abre a porta do mundo a Deus.  Com estas palavras, podemos lembrar da oração do Pai Nosso, onde temos uma expressão semelhante: “Seja feita a vossa vontade”.  Maria deu a cada um de nós o exemplo: Devemos fazer sempre a vontade de Deus.

Esta resposta de Maria precisa ser considerada.  Ela chama a si mesma de “Serva do Senhor”.  O Evangelista São Lucas a havia chamado de “Virgem”, o anjo, de “cheia de graça”; e seus pais, de “Maria”.  O servo depende de seu senhor, da sua vontade.  E Maria, se auto identificou como a Serva do Senhor. A palavra do anjo é uma ordem: “Conceberás e darás à luz”;  que Maria aceita em sinal de obediência e alegria. É também importante notar que o Filho de Deus não se encarnou sem o consentimento daquela que devia ser sua mãe. Este exemplo se aplica aos dois fatores de nossa santificação: A graça de Deus e a cooperação da nossa vontade.

O exemplo da Virgem de Nazaré é para todos nós um convite a acolher com total abertura de espírito o Cristo que vem no Natal, que por amor se faz nosso irmão. Ele vem para trazer a paz ao mundo: “Paz na terra aos homens por Ele amados!” (Lc 2,14), como anunciaram os anjos aos pastores. O dom precioso do Natal é a paz, e Cristo é a nossa paz.

Preparemo-nos para celebrar dignamente o Natal já próximo. Sigamos com Maria e José rumo a Belém. Que os nossos passos caminhem em direção ao Menino Jesus que nasce; e os nossos olhos se abram para que possamos ver e reconhecer o Filho de Deus entre nós e que possamos abrir de par em par as portas do nosso coração para acolhê-lo.  Um feliz Natal a todos!  Assim seja.

Anselmo Chagas de Paiva, OSB

Mosteiro de São Bento/RJ

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