Homilia do Mons. José Maria – IV Domingo da Quaresma – Ano C

Um abraço de Pai

Estamos no coração da Quaresma, que é o tempo propício da conversão, e a Igreja nos propõe, hoje, uma catequese acerca do Sacramento da Reconciliação (Confissão); quer nos fazer chegar purificados na Páscoa e nos indica o caminho privilegiado para esta purificação. A parábola do filho pródigo (Lc 15, 1-3. 11-32), apresenta-se como um Sacramento da Penitência em ação, tendo no centro a confissão (Pai, pequei!) e no final a absolvição (este filho tornou a viver).
O personagem central desta parábola é o próprio Deus (que é PAI), que lança mão de todos os meios para recuperar os seus filhos feridos pelo pecado. “No seu grande amor pela humanidade, Deus vai atrás do homem, escreve Clemente de Alexandria, como a mãe voa sobre o passarinho quando este cai do ninho; e se a serpente começa a devorá-lo, esvoaça gemendo sobre os seus filhotes (Dt 32, 11). Assim Deus busca paternalmente a criatura, cura-a da sua queda, persegue a besta selvagem e recolhe o filho, animando-o a voltar, a voar para o ninho”.

“Assim haverá alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão” (Lc 15, 7). Isto não quer dizer que o Senhor não estime a perseverança dos justos, mas aqui se põe em realce o gozo de Deus e dos bem-aventurados diante do pecador que se converte. É um claro chamamento ao arrependimento e a não duvidar nunca do perdão de Deus. Todos somos filhos de Deus e, sendo filhos, somos também herdeiros. A herança que nos cabe é um conjunto de bens incalculáveis e de felicidade sem limites, que só no Céu alcançará a sua plenitude e a sua segurança completa. “Quantos homens ao longo dos séculos e quantos do nosso tempo podem encontrar na parábola do filho pródigo as características principais da sua própria história pessoal!” (São João Paulo ll). Temos a possibilidade de abandonar a casa paterna e gastar os bens que recebemos de um modo indigno da nossa condição de filhos de Deus.                                                                                                                                                                    

 Quando o homem peca gravemente, perde-se para Deus, e também para si mesmo, pois o pecado tira-o do caminho que conduz ao Céu; é a maior que pode acontecer a um cristão. A sua vida honrada, as esperanças que Deus tinha posto nele, a sua vocação para a santidade, o seu passado e o seu futuro desabam. Afasta-se radicalmente do princípio da vida, que é Deus, pela perda da Graça santificante. Perde os méritos adquiridos ao longo de toda a vida e torna-se incapaz de adquirir outros, ficando sujeito, de algum modo, à escravidão do demônio. O pecado, tão detalhadamente descrito na parábola do filho pródigo, consiste na rebelião contra Deus, ou ao menos no esquecimento ou indiferença para com Ele e para com o seu amor, no desejo tolo de viver fora do amparo de Deus, de emigrar para uma terra distante, longe da casa paterna. Como se passa mal quando se está longe de Deus! “Onde se passará bem sem Cristo – pergunta Santo Agostinho -, ou quando se poderá passar mal com Ele?”

“Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos” (Lc 15, 20). Acolhe-o como filho imediatamente! Estas são as palavras da Bíblia: cobriu-o de beijos, comia-o a beijos. Pode-se falar com mais calor humano? Pode-se descrever de maneira mais gráfica o amor paternal de Deus pelos homens? Perante um Deus que corre ao nosso encontro, não nos podemos calar, e temos que dizer-Lhe, como São Paulo: “Abbá, Pai” (Rm 8,15). Quer que Lhe chamemos de Pai, que saboreemos essa palavra, deixando a alma inundar-se de alegria.

Correu – lhe ao encontro…  Enquanto o arrependimento costuma formar-se lentamente, a misericórdia de nosso Pai-Deus corre para nós logo que percebe de longe o nosso menor desejo de voltar. Por isso a Confissão está impregnada da alegria e de esperança. “É a alegria do perdão de Deus, mediante os seus sacerdotes, quando por desgraça ofendemos o seu infinito amor e, arrependidos, voltamos para os seus braços de Pai” (São João Paulo ll).

“Deus espera-nos como o Pai da parábola, estendendo para nós os braços, embora não o mereçamos. Não importa o que lhe devemos. Como no caso do filho pródigo, o que é preciso é que lhe abramos o coração, que tenhamos saudades do lar paterno, que nos maravilhemos e nos alegremos perante o dom que Deus nos fez de nos podermos chamar e sermos realmente, apesar de tanta falta de correspondência da nossa parte, seus filhos” (São Josemaria Escrivá; Cristo que passa, nº.64).

Essa parábola deve nos despertar para a beleza do Sacramento da Reconciliação (Confissão). Na Confissão, através do sacerdote, o Senhor devolve-nos tudo o que perdemos por culpa própria: a graça e a dignidade de filhos de Deus. Cumula-nos da sua graça e, se o arrependimento é profundo, coloca-nos num lugar mais alto do que aquele em que estávamos anteriormente.

Devemos valorizar a Confissão porque leva-nos ao problema mais universal e central da conversão evangélica; trata-se de descobrir a verdadeira doença da alma (o pecado).

O pecado existe e todo pecado é uma ofensa a Deus; porém a misericórdia de Deus é maior do que todos os nossos pecados. Contudo, supõe uma atitude de retorno: CONVERSÃO.

Deus espera de nós uma entrega alegre, sem tristeza nem constrangimento, pois Deus ama aquele que dá com alegria (2 Cor 9, 7). “É uma doce alegria pensar que o Senhor é justo, que conhece perfeitamente a fragilidade da nossa natureza! Por que então temer? Ele que se dignou perdoar, com tanta misericórdia, as culpas do filho pródigo, não será também justo comigo, que estou sempre junto dEle?” (Santa Teresinha do Menino Jesus). Com alegria sirvamos ao Senhor nas coisas mais pequenas! Preparemos a nossa volta (Confissão)!

“Vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei…” (Lc 15,18). Assim falou consigo o pródigo e logo se levantou e começou a caminhar. Façamos isso também nós: não é necessário que tenhamos ido para uma região distante; na verdade, todos estamos longe, todos pecamos sete vezes; deixemo-nos reconciliar com Deus por Cristo e pela Igreja. A Páscoa será mais linda este ano para nós; será uma verdadeira Páscoa de ressurreição!

Esta página de São Lucas, sobre o filho pródigo, constitui um vértice da espiritualidade e da literatura de todos os tempos. De fato, o que seria a nossa cultura, a arte, e mais em geral a nossa civilização sem esta Revelação de um Deus Pai cheio de misericórdia? Ela nunca cessa de nos comover, e todas as vezes que a ouvimos ou lemos é capaz de nos sugerir sempre novos significados. Este texto evangélico tem o poder de nos falar de Deus, de nos fazer conhecer o seu rosto, melhor ainda, o seu coração. Depois de Jesus nos ter narrado acerca do Pai misericordioso, as coisas já não são como antes, agora conhecemos Deus: Ele é nosso Pai, que por amor nos criou livres e dotados de consciência, que sofre se nos perdemos e faz festa se voltamos.

Os dois filhos representam dois modos imaturos de se relacionar com Deus: a rebelião e a hipocrisia. Estas duas formas superam-se através da experiência da misericórdia. Só experimentando o perdão, só reconhecendo-nos amados por um amor gratuito, maior do que a nossa miséria, mas também maior do que a nossa justiça, entramos finalmente num relacionamento deveras filial e livre com Deus. 

Nunca é demais frisar que, neste tempo da Quaresma, a Igreja ajuda-nos a percorrer este caminho interior e convida-nos à conversão que, antes de ser um esforço sempre importante para mudar os nossos comportamentos, é uma oportunidade para decidir levantar-nos e recomeçar, ou seja, abandonando o pecado e escolhendo voltar para Deus. Percorramos, este é o imperativo da Quaresma, juntos este caminho de libertação interior. Porém, é preciso que decidamos caminhar rumo a Jesus, como fez o filho pródigo, voltando interior e exteriormente ao pai. Ao mesmo tempo, devemos abandonar a atitude egoísta do filho mais velho, seguro de si, que condena facilmente os outros, fecha o coração à compreensão, ao acolhimento e ao perdão dos irmãos, e esquece que também ele tem necessidade do perdão. A parábola apresenta o rosto de Deus, assim como Jesus o revelou: um Deus de amor e de perdão, que acolhe o pecador arrependido reconduzindo-o à dignidade de filho.

Precisamos fazer o caminho de retorno à casa do Pai! 

Queridos irmãos, meditemos esta parábola! Contemplemos o coração do Pai! Lancemo-nos nos seus braços e deixemo-nos regenerar pelo seu amor misericordioso. Ajude-nos nisto a Virgem Maria, Mãe de Misericórdia!

Mons. José Maria Pereira

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