Homilia do Mons. José Maria – XIII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Não olhar para trás

O Evangelho do XIII Domingo (Lc 9, 51-62) diz que Jesus tomou resolutamente o caminho para Jerusalém. Este caminho, ou esta viagem, é modelar. Simboliza a resposta de Jesus ao plano do Pai. Ele não vacila. Vai ao encontro do Pai, segue rumo a Jerusalém, onde se consumará a sua missão.

Quem quiser ser discípulo de Jesus, deve pôr-se a caminho com Ele. Ser discípulo de Cristo não consiste em conhecer a sua doutrina! É segui-Lo, é aderir inteiramente a Ele. É fazer o mesmo caminho que Cristo percorreu.

Enquanto percorria o caminho Jesus encontra três candidatos a discípulo, que representam os inumeráveis candidatos, que desejarão seguí-Lo ao longo dos séculos e Jesus põe-lhes as condições do Seu seguimento. “Seguir-Te-ei para onde quer que fores” (Lc 9, 57), diz o primeiro; e o Senhor respondeu-lhe: “As raposas têm tocas e a aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Lc 9, 58). Aquele que deseja seguir a Cristo, não pode ter pretensões de segurança ou vantagens terrenas. Ao segundo, Jesus dirige-lhe um convite decisivo, como que uma ordem: “Segue-Me” (Lc 9, 59) e a este, tal como ao terceiro, que pede um adiamento por questões familiares, Jesus não hesita em declarar que é preciso seguí-Lo, sem adiar a Sua chamada. Há casos em que um adiamento, ou mesmo o pensar demasiadamente no assunto, poderiam comprometer tudo. “Quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o Reino de Deus” (Lc 9, 62). O Cardeal Roncalli, falando aos padres, dizia: “Deixamos a nossa terra e a nossa família, sem perder o amor à terra e à família, mas elevando este amor a um significado mais alto e mais vasto… Ai de nós, se continuamos a pensar numa casa cômoda…, num teor de vida que nos procure glória, honras ou satisfações mundanas!”

Meditando nestas palavras devemos reagir contra a tentação de um cristianismo medíocre, fácil, preguiçoso, feito à medida das próprias comodidades e interesses.

Pôr a mão no arado e olhar para trás… Temos que olhar para frente! Estar decidido a seguir o Mestre. Pois, a chamada do Senhor é sempre urgente, porque a messe é grande e os operários são poucos. E há messes que se perdem por não haver quem as recolha. Entreter-se, olhar para trás, pôr “senões” à entrega, tudo isso vem a dar no mesmo.

Para sermos fiéis e felizes, é preciso que tenhamos sempre os olhos fixos em Jesus, como o corredor, que, uma vez iniciada a corrida, não se distrai com nada: a única coisa que lhe interessa é a meta. Comentando esta passagem diz São Josemaria Escrivá: Depois do entusiasmo inicial, começaram as vacilações, os titubeios, os temores. – Preocupam-te os estudos, a família, o problema econômico e, sobretudo, o pensamento de que não consegues, de que talvez não sirvas, de que te falta experiência da vida. 

Eu te darei um meio seguro para venceres esses temores – tentações do diabo ou da tua falta de generosidade! –: “ despreza-os”, tira da tua memória essas lembranças. Já o pregou de modo terminante o Mestre há vinte séculos: “ Não olhes para trás!” (Sulco, 133). E diz Santo Atanásio: “Olhar para trás significa ter pesares e voltar a experimentar o gosto das coisas do mundo”. É a tibieza, que se introduz no coração dos que não têm os olhos postos no Senhor; é não ter o coração transbordante de Deus e das coisas nobres da vocação.

Nós queremos ter olhos para olhar unicamente para Cristo e para todas as coisas nobres nEle. Por isso podemos dizer com o Salmista: “O Senhor é a porção da minha herança. Ensinar-me-ás o caminho da vida, cheio de alegrias em tua presença e delícias à tua direita, perpetuamente” (Sl 15, 11). O caminho da vida é a nossa vocação, que temos de olhar com amor e agradecimento.

O homem define-se pela vocação recebida de Deus. Cada homem é aquilo para que Deus o criou, a vida humana não tem outro sentido senão ir conhecendo e realizando livremente essa vontade divina. O homem realiza-se ou perde-se conforme cumpre ou não na sua vida o desígnio concreto que Deus tem a seu respeito. Todos nós recebemos uma vocação, quer dizer, uma chamada para conhecermos a Deus, para o reconhecermos como fonte da vida; um convite para entrarmos na intimidade divina, para cultivarmos um relacionamento pessoal com Ele.

A fidelidade a essa vocação implica uma correspondência às chamadas que Deus nos vai fazendo ao longo da vida, como desdobramento dessa vontade divina a nosso respeito. Regra geral, trata-se de uma fidelidade em face das pequenas coisas de cada dia, de amar a Deus no trabalho, nas alegrias e nas penas, de repelir com firmeza tudo o que signifique de alguma maneira olhar para onde não podemos encontrar o olhar de Cristo.

Peçamos ao Senhor as virtudes essenciais para que a fidelidade possa encontrar um apoio. Sem essas virtudes seria difícil ou impossível seguir o mestre. Algumas são: humildade de reconhecer que temos os pés de barro (Dn 2, 33); a prudência e a sinceridade, que são consequências da humildade; a caridade e a fraternidade, que nos impedem de encerrarmos em nós mesmos; o espírito de sacrifício, que conduz à temperança, à sobriedade, à luta contra o comodismo e o aburguesamento; e sobretudo o espírito de oração que nos leva a tratar a Deus como um Amigo, como o Amigo de toda a vida. Ensina Santa Teresa: “Aquele que não deixa de avançar, ainda que demore, acaba por chegar. Abandonar a oração não me parece outra coisa senão perder o caminho”.

Mons. José Maria Pereira

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