Homilia do Pe. André Luís Buchmann – Nascimento de São João Batista – Ano B

Por que estamos neste mundo?

 

“E todos os que ouviam a notícia, ficavam pensando: ‘O que virá a ser este menino?’
De fato, a mão do Senhor estava com ele” (Lc 1,66).

 

Idéias principais: Todo homem tem uma missão. Deus sabe o que quer de nós. Temos de nos colocar nas mãos de Deus.

 

I. Todo homem tem uma missão.

“O que virá a ser este menino?”

Quantas vezes já nos perguntamos a nós mesmos: o que será de mim? Qual a minha missão neste mundo? Outras vezes queremos saber o que as pessoas pensam a respeito da nossa finalidade nesta terra.

O que será de nós?

“E todos os que ouviam a notícia, ficavam pensando: ‘O que virá a ser este menino?’ De fato, a mão do Senhor estava com ele”.

“Nós, cristãos, chamamos vocação a esta profunda convicção de que nossas vidas têm um propósito, um objetivo, uma missão; de que fomos chamados a desempenhar um papel insubstituível neste mundo e somos objeto único do amor de Deus, tanto nesta vida como na outra. Nós, cristãos, sabemos que temos importância para Deus individualmente, que não somos uma alma mais entre bilhões e bilhões delas, criadas e lançadas aos quatro ventos por um Deus distraído e ausente; que todas elas lhe interessam uma a uma; que nos ama com um amor intenso, pessoal…, quase diríamos ansioso”[note] Leo Trese, A Caminho do Céu, São Paulo, Quadrante, 2017, p. 8.[/note].

Não estamos neste mundo por acaso. Por mais que a existência nos custe, seja pesada para nós, Deus tem um propósito, uma finalidade última para nossa vida. A finalidade última é a salvação na vida eterna. Mas também para a vida terrena Ele tem um plano para nós.

Só saberemos sobre nossa missão neste mundo quando entrarmos na vida eterna.

Mas o que fazer sem saber o que fazer neste mundo? Ir fazendo bem tudo o que Deus for nos colocando diante dos olhos. Uma coisa de cada vez, tudo bem feito e com o objetivo de amar a Deus.

 

II. Deus sabe o que quer de nós.

Por mais que tenhamos fé, sempre fica uma pontinha de incerteza sobre quem somos e o que seremos no futuro. Deus sabe o que quer de nós e vai nos conduzindo pelos caminhos do mundo a fim de que cumpramos a nossa missão.

“E todos os que ouviam a notícia, ficavam pensando: ‘O que virá a ser este menino?’ De fato, a mão do Senhor estava com ele”.

Eu sou importante para Deus! Esta convicção deveria nos dar muito entusiasmo a fim de levarmos a nossa vida para frente, para vencermos as barreiras do desânimo ocasionado pelos problemas, pelas incompreensões e pela maldade alheia.

Mesmo que os outros não nos julguem inteligentes ou que não nos achem muito importantes por termos um trabalho modesto aos olhos deles, Deus nos ama e nos criou como uma pessoa única e irrepetível.

“Normalmente, não costumamos saber qual é essa tarefa (alguma coisa que só nós podemos fazer). Talvez seja a de servirmos de instrumento para a conversão de determinadas almas, ou a de levarmos adiante uma ação concreta ou evitarmos algum mal… O mais provável é que até o dia do Juízo não saibamos qual era o papel que nos cabia desempenhar. Mais uma razão para que procuremos, dia após dia, fazer a vontade de Deus em tudo, no pequeno e no grande”[note] Ibid., p. 9.[/note].

Vejamos o caso de São João Batista, de quem hoje celebramos o nascimento.

Se olharmos do ponto de vista humano (refiro-me ao modo que a sociedade atual tem de medir as coisas e as pessoas) ele foi um fracassado: sua família era simples. Seu pai, Zacarias, era sacerdote do Templo de Jerusalém, mas morava fora daquela cidade importante[note] Ein Karen dista 7,7 km de Jerusalém. É o que chamamos hoje de periferia e, portanto, levava uma vida simples.[/note]. Não era sacerdote em tempo integral, mas servia no Templo por escala, como era costume à época. Não tinha prole e era já de uma certa idade. Sua mãe, Isabel, era considerada estéril, tinha também uma idade um tanto avançada, o que a fazia ser vista como uma infeliz, pois não ter filhos, para os judeus daquela época, era não poder ter na família a possibilidade de que dela nascesse o Messias. Eles até duvidaram que pudessem ter um filho naquelas condições. Eram sozinhos, tanto que Nossa Senhora resolveu ir até Sua prima para ajudá-la durante a gravidez.

João Batista cresceu e foi viver no deserto, vestia-se de maneira bastante simples, sua alimentação era muito sóbria, sabia ser muito humilde – tanto que não quis batizar o Senhor, pois não se sentia digno de tal evento -, teve discípulos que o deixaram para seguir o Cristo e, no final de tudo, teve sua cabeça cortada e mostrada sobre uma bandeja.

Ser fiel a Deus nas coisas pequenas e simples e perseverar nesta fidelidade, não nos apequena, ao contrário, nos engrandece.

Um dia um jovem muito pobre, reza uma lenda, cansado de seus sofrimentos, recorreu a um sábio que habitava o alto de uma montanha. Disse que queria ficar rico e parar de ter dificuldades em sua vida. O sábio prontamente indicou um rio cheio de pedras de vários tamanhos. Mandou o rapaz passar um ano perto daquele rio e todos os dias ir procurar uma pedra mágica que transformava todos os metais em ouro. Bastava encontrar a dita pedra e esfregá-la em qualquer metal. O jovem partiu esperançoso. A última recomendação do sábio foi: “dê atenção às coisas pequenas, a todas as pedras, seja perseverante e não canse com a monotonia da rotina”!

Nos primeiros dias o moço pegava em cada pedra, esfregava na fivela do cinto, olhava com atenção e descartava as pedras inúteis. Até que caiu na rotina. Esfregava as pedras na fivela e já nem olhava direito para a cintura. Passou-se um ano. Cansado e sem esperança de achar tão famosa pedra, voltou ao sábio. Quando encontrou o homem de cabelos brancos no alto do monte, reclamou que foi em vão a sua tarefa. Mas surpreendeu-se com a pergunta do velho sábio: “Se foi em vão o seu trabalho, por que a fivela de seu cinto é de ouro”? Cada um tire as conclusões desta historinha.

Quando descuidamos da nossa missão, das coisas pequenas que Deus nos pede, da constância em nossos dias nem prestamos atenção à riqueza da graça de Deus que nos assiste em todos os momentos.

Voltando a São João Batista: Que trajetória humana fracassada!, bem que alguém poderia exclamar.

Mas vejamos o que Deus pensava e esperava dele.

O que a Igreja até hoje ensina, nos dá umas pistas a respeito do que Deus queria de São João Batista:

  1. Profeta de transição entre o Antigo e o Novo Testamento e, por isso, um Profeta privilegiado, pois viu Aquele que anunciava. Outros Profetas apenas anunciaram o Cristo. João Batista teve a graça de literalmente apontar para o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
  2. O Evangelho nos diz que recebeu o elogio do Senhor de maior entre os nascidos de mulher[note]Cf. Lc 7,28.[/note].
  3. Foi o Precursor, aquele que preparou os caminhos do Senhor. De fato, como último dos Profetas, foi a preparação imediata para a vinda do Messias tão esperado.

 

III. Temos de nos colocar nas mãos de Deus.

A missão de qualquer pessoa não consiste em fazer muitas coisas, mas em fazer com esmero e zelo o que Deus nos pede. E só nos colocando nas mãos d’Ele é que conseguimos cumprir com perfeição – a perfeição possível neste mundo – a nossa missão.

“E todos os que ouviam a notícia, ficavam pensando: ‘O que virá a ser este menino?’ De fato, a mão do Senhor estava com ele”.

João Batista não fez muitas coisas, não fez tudo, mas fez bem feitas todas as coisas que Deus lhe pedia. Também a ele poder-se-ia aplicar as palavras que foram pronunciadas em favor de Jesus, nosso Senhor: “bene omnia fecit”[note]Mc 7,37[/note]. E referente àquilo que fez, àquilo que era sua missão, recebeu este grande elogio do Senhor. “O que virá a ser este menino?” É o maior dentre os nascidos de mulher[note]Cf. Lc 7,28[/note].

Nossa vaidade tantas vezes exige que pensemos que devemos ser aplaudidos, louvados e que nos agradeçam por tanto bem que fazemos à humanidade.

Nosso valor não está no reconhecimento que os outros nos dão, mas no amor que Deus tem por nós. O amor de Deus dá um valor intrínseco à nossa existência. Não valemos pelo que fazemos, mas valemos porque existimos, porque somos, pois o fato de sermos revela o amor gratuito de Deus, é conseqüência do querer nos amar de Deus.

Temos de nos colocar nas mãos de Deus quando tudo vai bem e quando as coisas não dão certo. Quando tudo vai bem, a fim de não cairmos na tentação da soberba, que nos faz pensar que somos bem sucedidos somente por causa de nossas capacidades. Quando as coisas não dão certo, porque podemos ser tentados a desistir e a pensar que tudo está perdido como se Deus não existisse ou fosse muito fraco, muito impotente diante dos desafios ou problemas da vida.

São João Batista, que levou uma vida simples, foi tão importante na História da Salvação e é tão importante para a Igreja a ponto de ser o único caso em que se comemora o dia do nascimento e da morte de um santo. As trajetórias humanas aparentemente fracassadas, para Deus são gloriosas.

Peçamos a Nossa Senhora e a São João Batista que, neste mundo, aprendamos a valorizar as pequenas coisas, a perseverar e a fazermos tudo bem feito para a maior glória de Deus.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

Viva São João Batista!

 

Pe. André Luís Buchmann de Andrade

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